A nota enviada anteriormente trazia um erro no último parágrafo, quando dizia que Stevens Rehen é neurologista. O especialista, na verdade, é neurocientista. Segue o texto corrigido.
A geração de crianças afetadas pelo vírus zika ainda no útero materno pode ser bem maior do que revelam os números oficiais. Um novo estudo feito por especialistas da UFRJ e do Instituto D’Or mostra que, além das 3,2 mil crianças nascidas com microcefalia entre 2015 e 2018, muitas outras que nasceram sem a malformação podem vir ainda a desenvolver problemas cognitivos.
O trabalho publicado nesta segunda-feira, 27, na Scientific Reports detalha a ação do vírus em um determinado tipo de célula cerebral, o astrócito. Essas células exercem um papel fundamental nas funções cognitivas, já que fornecem suporte metabólico para os neurônios, participam na formação das sinapses e compõem a chamada barreira hematoencefálica – que protege o sistema nervoso central de eventuais substâncias tóxicas presentes no sangue.
Estudos anteriores já tinham demonstrado a predileção do zika pelos astrócitos. O novo trabalho revelou que parte das complicações neurais causadas pelo zika está relacionada aos danos sobre essas células e suas consequências para o desenvolvimento cerebral.
Entre os prejuízos que o vírus causa a essas células estão a sobrecarga de suas mitocôndrias (responsável pela respiração celular), alterações de DNA e estresse oxidativo – que pode causar o envelhecimento precoce, doenças neurodegenerativas e câncer.
Os cientistas criaram em laboratório três dos tipos celulares presentes no cérebro do feto humano em formação: os astrócitos, os neurônios e as células-tronco neurais. Ao serem infectadas pelo zika, os astrócitos foram os mais danificados.
“Observamos uma infecção substancial nos três tipos de célula, mas, nos astrócitos, foi quatro vezes maior”, explicou Stevens Rehen, principal autor do estudo. “Resolvemos, então, olhar especificamente para isso.”
A pesquisa também se baseou na análise de tecidos cerebrais de fetos que morreram devido à infecção – confirmando a relevância dessas células no padrão do ataque. O mesmo perfil inflamatório foi identificado nos estudos com camundongos infectados.
“Observamos o mesmo padrão nas células, nos tecidos cerebrais humanos e nos camundongos”, afirmou Rehen. “A destruição da mitocôndria e lesões no DNA.”
Para o especialista, esse tipo de dano molecular pode trazer problemas a longo prazo para crianças que nasceram aparentemente saudáveis. “Conseguimos identificar muito facilmente a criança nascida com microcefalia”, constatou Rehen. “Mas existe a possibilidade de que crianças que não nasceram com microcefalia podem vir a ter alterações de comportamento, transtornos mentais por conta dessas lesões genéticas.”
Segundo o neurocientista, a população de crianças com déficit cognitivo nascidas de mulheres que tiveram zika durante a gravidez pode estar subnotificada. “O mais importante é o alerta de que precisamos aumentar a população que está sendo monitorada”, disse. “O estrago pode ser maior do que parece e passar despercebido.”