Contra a covid-19

Coronavac tem eficácia de 50,38%, diz Butantan. Curitiba já tem acordo de compra formalizado

Após controvérsia acerca dos números divulgados na semana passada, o Instituto Butantan detalhou nesta terça (12) que a vacina Coronavac tem eficácia geral de 50,38% contra a Covid-19. Curitiba tem formalizado, entre Rafael Greca e João Dória, governador de São Paulo, um acordo para compra da Coronavac.

O dado foi informado à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no pedido de registro emergencial da vacina, e está acima dos 50% requeridos universalmente para considerar um imunizante viável.

À primeira vista, parece um dado muito inferior aos 78% (exatos 77,96%) de prevenção de casos leves e 100% de pacientes moderados, graves ou mortos evitados pela Coronavac revelados pelo jornal Folha de S.Paulo na semana passada —nos dois últimos casos, o Butantan não considera os números ainda significativos para fins estatísticos.

Mas a eficácia geral divulgada nesta terça inclui voluntários que foram infectados pelo coronavírus e não tiveram sintomas que necessitaram de atenção médica —classificados como casos muito leves.

Além disso, a vacina se mostrou segura, com apenas 0,3% dos participantes reportando algum tipo de reação alérgica. A maioria dos efeitos reportados foi dor no local da injeção.

Cientistas presentes no anúncio evidenciaram que o número mais baixo não deve ser visto como preocupante e ressaltaram a importância de uma vacina segura e disponível no país.

“2020 foi o ano do luto, 2021 será o ano de lutar pela vida. É isso que devemos buscar, e não nos pautar só em números, mas, sim, uma proteção clínica e uma vacinação em massa”, disse Sérgio Cimerman, infectologista do Instituto Emilio Ribas.

“A melhor vacina é a vacina que estará à disposição da população”, disse a infectologista Rosana Richtmann.

“Não há justificativa nenhuma para que não se use uma vacina que está disponível no Brasil, é fácil de distribuir e que tem ótima relação de custo-beneficio”, disse Natalia Pasternak, bióloga e fundadora do Instituto Questão de Ciência.

“Não é a melhor vacina do mundo, é a vacina possível, é uma boa vacina e é uma vacina que certamente vai iniciar o processo de sairmos da pandemia. Isso não quer dizer que depois dela não poderão entrar outras. Se essa vacina é o começo, vamos começar?”, questionou.

Na avaliação de cientistas ouvidos pela reportagem, vacinas como a Coronavac, que usam o vírus inativado em sua formulação, estão entre as imunizações mais seguras e bem estudadas disponíveis, além de serem de fabricação mais simples e manutenção viável em um país de clima mais quente como o Brasil.

“É uma vacina que não traria surpresas ruins, e os resultados apresentados corroboram isso. É uma plataforma segura”, disse o infectologista pediátrico Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), também presente no anúncio nesta terça.

A vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac foi testada em um grupo de 12.508 participantes voluntários no estudo comandado pelo Butantan, todos profissionais de saúde com idade maior de 18 anos que trabalahm com pacientes de Covid-19. Por trabalharem diretamente com os pacientes, esses voluntários estão entre as pessoas que têm o maior risco de ter contato com o vírus e se infectarem.

Ao todo, foram recrutadas mais de 13 mil pessoas para o estudo. Os dados de eficácia divulgados nesta terça (12) contam com informações de 9.242 desses voluntários.

​Foram infectadas ao longo do ensaio, iniciado em julho, 252 pessoas. Dessas, 167 tinham recebido placebo e 85, a Coronavac. O estudo não avaliou a quantidade de voluntários assintomáticos, que podem ter se infectado com o vírus sem desenvolver nenhum tipo de sintoma.

Estimativas de cientistas apontam que assintomáticos pode m ser mais de 50% do total de infectados pelo Sars-CoV-2, mas a ausência de manifestações clínicas dificulta o diagnóstico. Não foi divulgado ainda o detalhamento por faixa etária.

A definição de casos de Covid-19 do estudo do Butantan, de acordo com Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa do instituto e responsável pelo ensaio, foi a mais abrangente possível.

Isso, segundo ele, pode ter influenciado a análise. Palacios afirma que na vida real, na população em geral, o resultado tende a ser de maior eficácia da vacina.

Um caso podia ser definido como qualquer participante com um ou mais sintomas —como febre, tosse, falta de ar, fadiga, perda de olfato ou paladar, diarreia e vômito, entre outros— por dois ou mais dias, além daqueles casos confirmados pelo exame laboratorial de RT-PCR.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) define uma escala de 0 a 10 de sintomas, zero sendo o assintomáticos, 1 a 3 leves, 4 e 5 moderados, 6 a 9, graves e 10, fatalidades. O Butantan enfatizou, na divulgação da semana passada, a eficácia da Coronavac para todos os grupos acima de 1.

Segundo Dimas Covas, diretor do Butantan, as pesquisas com a vacina vão continuar. Estão previstos pelo menos quatro novos estudos com a Coronavac no país.

Três pesquisas clínicas vão avaliar a eficácia da vacina em idosos e pessoas com comorbidades (1.400 voluntários), em grávidas (500 voluntárias) e crianças e adolescentes, sem número de participantes divulgado. Está previsto ainda um estudo para avaliar o impacto da vacina para mitigar a pandemia.

E as outras vacinas

Os 50,38% do resultado geral estão abaixo dos dados acima de 90% de eficácia divulgados pelas vacinas que utilizam a nova tecnologia de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna, nas quais material genético é usado para levar proteína estimulante do sistema imune ao paciente.

No caso da vacina da Pfizer-BioNTech, por exemplo, há 95% de eficácia geral apontada, segundo estudo revisado por pares e publicado na revista científica New England Journal of Medicine.

Nesse grupo, houve 162 infectados entre quem tomou placebo e apenas 8 entre vacinados, entre 44 mil voluntários. Só que o relatório da FDA (a agência regulatória dos EUA) aponta a exclusão de 3.410 pessoas que tiveram sintomas de Covid-19, mas não tiveram a doença confirmada.

Desses casos suspeitos, 1.594 faziam parte do grupo vacinado e 1.816, do que recebeu placebo. Isso foi ressaltado em texto de Peter Doshi, editor associado do prestigioso British Medical Journal.

Se todos fossem casos de Covid-19, o que é improvável, isso derrubaria a eficácia geral para 19% (com todos os suspeitos) ou 29% (excluindo os casos que ocorreram nos primeiros sete dias da vacinação, que podem incluir reações ao imunizante), nas contas de Doshi.

A diferença aqui é que a Pfizer fez uma publicação detalhada de seus dados, enquanto não há ainda uma do Butantan.

Isso mostra uma faceta complexa da discussão acerca das vacinas. A despeito da tragédia da pandemia, que já matou mais de 200 mil brasileiros, elas são produtos, e suas fabricantes, empresas listadas em Bolsa que querem lucrar com eles.

Também explica a queda de braço entre o Butantan e a criadora da Coronavac, a Sinovac, que proibiu a divulgação de dados só do estudo brasileiro no fim do ano passado. O instituto paulista já formula e vai fabricar o imunizante no país.

O laboratório Sinovac viu discrepâncias entre dados do estudo indonésio (65,3% de eficácia geral para uso emergencial), turco (91,25% em resultados preliminares) e o brasileiro, algo natural, dado que eles não foram aplicados na mesma população.

Comercialmente, contudo, o interesse chinês é ter um número unificado. Isso levou a duras negociações com o Butantan e, então, a divulgação parcial de dados na quinta passada (8).

Mas os dados incompletos levaram a críticas, por parte de cientistas, acerca da transparência do processo. O Butantan alegou que só poderia falar após fazer o pedido de uso emergencial à Anvisa.

Internamente, houve divergências. A área política do governo de João Doria (PSDB-SP) pressionou o Butantan a aclarar a situação. A Coronavac está no centro da disputa política entre o tucano e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que começou com a oposição entre o negacionismo federal e o ativismo estadual no manejo da pandemia.

Agora, a disputa gira em torno da vacinação, ainda que Bolsonaro sempre tenha colocado imunizantes em dúvida. O governo federal incluiu a Coronavac, todas as 46 milhões de doses já encomendadas da China prontas ou em insumos, no Programa Nacional de Imunização.

Ao mesmo tempo, há dúvidas no governo paulista sobre os empecilhos da Anvisa ao uso emergencial da Coronavac.

O imunizante que havia sido a aposta inicial do governo federal, da britânica AstraZeneca/Universidade de Oxford, teve seu pedido de uso feito horas depois do da Coronavac e agora ambos apostam uma espécie de corrida na agência.

Na atualização das 8h18 de hoje, o Butantan tinha 40,7% de seu pedido considerado concluído, ante 27,35% da Fiocruz, que fabricará o produto europeu.

Só que a entidade federal tem 67,18% de sua documentação em análise, enquanto a estadual tem 37,64% dela considerada pendente de complementação. A agência tem dez dias para completar sua avaliação.

Doria suspeita de ação política. No domingo (10), pediu urgência à Anvisa. Ao mesmo tempo, a animosidade gera preocupação na área técnica, que teme mais entraves da agência.

Enquanto isso, o tucano mantém seu plano de começar a vacinação assim que sair a autorização de uso emergencial, a partir de um cronograma estipulado em dezembro. A questão é que o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) já disse que considera as vacinas sujeita a seu planejamento.

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