Porto Alegre – Ao falar na manhã de ontem para um público de mais de quatro mil pessoas, no 5.º Fórum Social Mundial, o ativista francês e diretor do jornal mensal Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, lançou o "Consenso de Porto Alegre", cinco medidas concretas para mudar o mundo.
As propostas de Ramonet receberam o apoio do escritor português José Saramago (Nobel de Literatura em 1998), um crítico do discurso sem ação. Ramonet e Saramago participaram do painel "Quixote hoje: utopia e política", realizado no auditório Araújo Viana. Também participaram do painel o ex-diretor da Unesco, Federico Mayor Zaragosa, o escritor uruguaio Eduardo Galeano. As medidas propostas por Ramonet traduzem algumas das principais reivindicações de movimentos sociais: a criação de uma taxa mundial contra a fome e a miséria, a eliminação dos paraísos fiscais, a supressão das dívidas externas dos países pobres e a garantia de água potável para a humanidade.
Ramonet é o fundador da Organização Não-Governamental "Associação para a Taxação de Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos" (ATTAC), fundador da organização Observatório Internacional da Mídia e um dos promotores do Fórum Social Mundial. "O Consenso de Porto Alegre se opõe ao Consenso de Washington", disse, referindo-se à corrente de pensamento que defende a economia de mercado. "Vamos criar o portoalegrismo", propôs.
O escritor José Saramago, que vem insistindo na necessidade de o Fórum Social Mundial passar do debate à prática, apoiou a iniciativa de Ramonet. "Se lançarmos as cinco medidas de Ramonet, teremos proposta de trabalho para o já, para o imediato", disse ele.
Notáveis discutem utopia e política
Porto Alegre – Seriam os ativistas dos movimentos sociais reunidos em Porto Alegre Dom Quixotes do século 21, lutando contra moinhos de vento? A questão foi levantada ontem no painel "Quixote hoje: utopia e política", que comparou o idealismo do famoso personagem criado pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes à luta daqueles que sonham com um mundo melhor.
A indagação foi colocada a um grupo de notáveis presentes ao evento: o escritor português José Saramago, o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, o intelectual francês Ignacio Ramonet, o ex-diretor da Unesco Federico Mayor Zaragosa.
Como resposta, uma afirmação geral de que os participantes do Fórum Social Mundial em Porto Alegre são "Dom Quixotes" por acreditarem na possibilidade de mudar o mundo, mas, ao contrário do personagem, quando unidos, têm o poder de promover transformações sociais que hoje parecem impossíveis.
"Os realistas nunca vão transformar a realidade porque a aceitam, porque renunciam à possibilidade de tentar mudá-la", disse Zaragosa. Segundo o ex-diretor da Unesco, é preciso mudar o velho conceito de que a política é a arte do possível. "A política deve ser a arte de tornar possível amanhã aquilo que hoje é impossível", acrescentou. Na opinião de Zaragosa, a resistência pacífica e ativa – não só de protestos – poderá mudar muitas situações hoje intoleráveis.
Ramonet observa que existe uma analogia positiva entre o Quixote de Cervantes e os Quixotes do Fórum Social Mundial. "Quixote não é um fanático de um mundo ideal. O que ele não suporta são as injustiças, as desigualdades (…) Ele pensa que outro mundo é possível, mas não tem um programa dogmático de como alcançar esse mundo." Para Ramonet, o Fórum Social Mundial segue a mesma linha, respeita a diversidade e não impõe um modelo dogmático de transformação.
Galeano mostrou-se otimista em relação ao poder transformador dos movimentos sociais.
Os painelistas discorreram longamente sobre o significado da palavra utopia, termo que Saramago gostaria de eliminar dos dicionários. Para o escritor português, o conceito de utopia remete para um futuro e um lugar inatingível. "O discurso sobre a utopia é sobre o inexistente, não se sabe onde ela está, qual o caminho, quando", comentou. Na opinião dele, é preciso que se lute e se trabalhe para a construção de um mundo melhor no momento atual.
Resistência aos alimentos transgênicos
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Requião: "ceder à Monsanto |
Porto Alegre – O governador Roberto Requião defendeu, ontem, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, uma ampla resistência contra os alimentos transgênicos. Disse que a luta é uma questão de soberania, não só do Brasil, mas de todos os países em desenvolvimento. O pronunciamento do governador do Paraná abriu um painel com representantes de seis países – Nicarágua, China, Índia, França, Equador, Costa Rica – e foi feito para 3 mil representantes de movimentos sociais de todos os continentes. Ao lembrar a luta do Paraná contra os transgênicos e traçar um mapa da disseminação do produto pelo Mercosul, especialmente na Argentina e no Rio Grande do Sul, Requião criticou duramente a Monsanto, detentora da patente. "Ceder à Monsanto é renunciar à soberania nacional. É jogar no lixo tanto esforço de pesquisa, tantos recursos investidos, tanto talento dos nossos agricultores e pesquisadores. Resistir é preciso", alertou.
"Alguns ainda falam sobre a inevitabilidade da produção global. Querem-nos todos como robôs, mas somos brasileiros, argentinos, italianos, angolanos, chineses. Se somos um na decisão de construir uma nova sociedade, somos diversos em nossa cultura, nossas tradições. A uniformização é a negação da nossa identidade. É uma violência contra a história de cada um de nós." "Hoje a soja é submetida a um interesse monopolista. E amanhã vai ser o quê? Ceder hoje é um precedente extremamente perigoso. É a porta aberta para que amanhã produzam toda sorte de patentes e nos façam os novos servos da imensa gleba mundial", disse. "Abrir a guarda para a soja geneticamente modificada é um passo largo para, logo em seguida, por exemplo, ceder a nossa água", afirmou. "Se por acaso o mundo – por frouxidão, por indiferença, até mesmo por fatalismo ou quem sabe por ignorância – ceder no caso da soja transgênica, terá menos força para resistir em defesa de outros interesses monopolistas. É preciso pressionar. É preciso uma atuação muito firme ao presidente Lula. Ele precisa do nosso apoio para vencer internamente as tantas resistências, as chantagens, os argumentos trapaceiros que tentam desviá-lo e iludí-lo."
Requião afirmou também que a questão dos transgênicos não se isola de outros assuntos que compõem as preocupações nacionais. "A política econômica que se pratica traz implicações claras, ramifica-se com as decisões que levaram a ceder à Monsanto. Quero dizer, nossa resistência tem uma amplitude maior. Ela toca a essência mesmo das orientações centrais do governo federal. Da nossa parte, no Paraná, vamos continuar a resistência", destacou.
Luta pela água
Porto Alegre – Requião encontrou-se com o deputado suíço Alberto Velasco e com o agrônomo francês Ricardo Petrela, um dos organizadores do Fórum Mundial Alternativo da Água, que é realizado a cada dois anos num determinado país. O próximo ocorrerá em março em Genebra, na Suíça. Sabedores da posição de Requião contra a transferência da água para a iniciativa privada, postura que o governador assumiu no caso da Sanepar, Velasco e Petrela o convidou a participar da luta mundial contra a privatização da água e definiram que o próximo fórum poderá ser realizado em Foz do Iguaçu, em 2007.
Hoje cedo o governador acompanha a chegada do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a Porto Alegre. Depois, Requião e o presidente seguem até o assentamento do Tapes, do MST, a 100 quilômetros da capital gaúcha. No assentamento, assinam um protocolo de intenções para o intercâmbio de sementes entre o Paraná e a Venezuela.
Ainda no assentamento, conhecem a produção de arroz orgânico com peixes e patos e seguem ao Bosque Internacional da Solidariedade, onde participam de um ato em defesa da soberania alimentar sobre as populações. Também anunciam a criação do Banco de Sementes e integram um Encontro de Agricultores Internacionais.
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