Luiz Thadeu, 60, não gosta de ser chamado de turista e muito menos de idoso. Reconhecido pelo Livro dos Recordes brasileiro como o sul-americano que mais rodou o mundo, ele se considera um jovem com cabeça de 20 anos e se vê como um andarilho aventureiro – que está sempre em algum canto, sem preocupações de tomar chuva, passar frio ou seguir um roteiro. A visão não é para menos. Natural de São Luís do Maranhão, o homem já pisou em 140 países nos dez últimos anos e pretende conhecer os outros 54** até 2024.

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A determinação do brasileiro, formado em engenharia agrônoma, é fruto de um passado triste que ele superou. Numa manhã chuvosa de julho de 2003, uma carona de táxi mudou os rumos de sua vida. O carro bateu num caminhão e o acidente lhe rendeu 43 cirurgias, fixadores nas pernas para recuperar os ossos quebrados e problemas de autoestima – ao ponto de passar seis anos recluso em casa. “Não tive vida social. Não fui em aniversários, restaurante nem nada. Além da dor, é incômodo ver as pessoas sentindo dó de você”, recorda.

O sofrimento, no entanto, deu espaço para a felicidade em 2009, quando resolveu fazer sua primeira viagem depois da tragédia. Assim que tirou os fios e pinos presos ao corpo, ele visitou seu filho Frederico Costa na Irlanda e, usando muletas, viajou por oito nações da União Europeia. “Nessa viagem percebi que era fácil rodar o planeta nessa condição”, afirma.

A partir daí, Luiz Thadeu se reinventou. Com inglês truncado, mobilidade reduzida e o aplicativo Google tradutor no celular, o engenheiro começou sua jornada com o objetivo de conhecer os 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). “O que mais gosto é sair do meu conforto de casa para conhecer pessoas. Isso me motiva. Faço amizades fabulosas por aí”, conta.

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O maranhense passa poucos dias em um local e logo parte para outro. Em 2017, ele conheceu dez nações da Ásia em 40 dias, como Nepal, Bangladesh e Irã. Entre agosto e setembro deste ano, se aventurou pela Etiópia, Israel, Itália, Espanha, Andorra, Chipre, Malta, Moldávia, Bielorrússia, Rússia e Ucrânia, mudando de país a cada dois dias.

O segredo de Luiz Thadeu para conhecer tantos lugares é o planejamento. Ele junta dinheiro para passagens e hospedagem todos os meses, pagando uma espécie de ‘mensalidade’ para isso, assim como faz para as contas caseiras de água, luz e telefone. “É questão de prioridade. Não troco de carro, não dou festas. O dinheiro sempre vai para viagem”, conta.

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Tudo começou quando era um menino. De origem humilde, o garoto de 11 anos deslumbrava o mundo por meio dos livros. Conheceu Katmandu, capital do Nepal, enquanto folheava obras numa biblioteca pública de São Luís e só depois de cinco décadas, aos 58, que colocou os pés pela primeira vez na cidade asiática.

Além disso, aprendeu a lidar com dinheiro aos oito anos de idade, quando ganhou uma caderneta de poupança dos pais, e até hoje usa isso ao seu favor. Para comprar passagens aéreas, utiliza os sites Passageiro de Primeira e Melhores Destinos – que filtram os preços mais acessíveis – e foge da mordomia: dorme em hostels, come em lugares comuns e anda de ônibus para baratear a estadia. “Minhas viagens cabem no bolso da maioria das pessoas. Basta programar com antecedência e buscar as promoções”, assegura Thadeu.

Num cálculo da reportagem, se uma pessoa que tem capital para financiar um carro com parcelas de R$ 700 por cinco anos, por exemplo, preferir aplicar esse dinheiro todo mês no Tesouro Direto IPCA+ , ela deixará de pagar juros ao banco e lucrará R$ 7 mil no período, atingindo um valor de R$ 50 mil, considerando a inflação a 3,22% ao ano.

“Se você se planejar uns quatro meses antes de pegar o avião, vai encontrar promoções muito convidativas. E só com os R$ 7 mil a mais já será possível comprar passagens para mais de um país”, analisa. “Vale ainda parcelar sem juros no cartão de crédito para acumular milhas e, assim, baratear as próximas viagens internacionais”, aconselha.

Se for para sentir dor na perna, que seja viajando

Com esse pensamento, Luiz Thadeu já preencheu oito passaportes e o mundo se tornou pequeno para as suas muletas. Ele confessa que pensa todos os dias em desistir pelo cansaço causado pela deficiência física, mas não desanima. “Convivo com dores fortes, mas minha perna pode doer em qualquer lugar, então vai doer na Europa’. Amanhã ficarei velho e não sei quando perderei a energia de hoje”, acredita.

O foco em conhecer todos os países faz com que o nordestino deseje ser reconhecido mundialmente. Até dezembro do ano que vem, ele pretende ir à ONU para pedir uma diplomação e tem o desejo de ver uma reportagem sobre sua primeira volta ao mundo abrir o Fantástico, da Globo. Ele pisará em quatro continentes em abril de 2020; a Antártida, o quinto continente, está fora dos planos, pois o viajante precisaria da autorização da marinha brasileira.

Luiz Thadeu também usa suas experiências para motivar outras pessoas: faz palestras gratuitas em hospitais e para idosos, a fim de mostrar que nem sempre problemas de saúde e a idade nos impedem de aproveitar a vida. “Não existe velho. Velho é o mundo, porque nasci nele, vou embora e ele fica”, reflete. “Em qualquer fase da vida você deve ter planos e ideias. Há pessoas hoje de 70 anos que se casam e começam uma vida nova. Nas viagens, eu encontrei a maneira de superar os meus problemas”, completa.

Apuros pelo mundo e sonhos

Apesar das ambições, conhecer todos os países do mundo não será uma tarefa fácil para o engenheiro. As guerras, doenças e outros problemas humanitários que se alastram pelo globo tornam difíceis algumas empreitadas. Ele foi proibido, por exemplo, de entrar na Arábia Saudita – cujo reino só começou a permitir a entrada de turistas estrangeiros no fim de setembro deste ano. A iniciativa faz parte de um pacote de reformas do país para reduzir a dependência do petróleo.

Atualmente, Thadeu espera a oportunidade de conhecer alguns lugares por excursões, como a República Democrática do Congo, que está sob uma epidemia de ebola, e o Sudão do Sul, que enfrenta uma série de conflitos por questões políticas. Enquanto essa chance não chega, o homem planeja não só outras viagens, mas também negócios: ele sonha em abrir uma fábrica de muletas para vendê-las a custo de produção.

“Montar uma muleta custa em torno de 40 a 50 reais, mas ela é vendida a cerca de 150 reais. Oferecer para o povo esse objeto a um preço acessível é a maneira que escolhi de devolver a Deus o que a vida me proporcionou”, conta.

‘Se não fosse o acidente, a história não estaria sendo essa’

Luiz Thadeu é categórico quando fala em alegria e bem-estar. Com pensamentos joviais e sempre abrindo suas reflexões para todos com quem conversa, o homem atendeu à reportagem por telefone, descrevendo a tranquilidade que sente em sua terra natal. Estava sentado em sua casa ouvindo música enquanto se deliciava com o vento quente do clima tropical de São Luís, sem perder de vista seu próximo roteiro de viagem. Suas primeiras frases foram sobre o significado de ‘felicidade’.

“Não existe outra definição para essa palavra. Ela é uma fórmula: é a realidade menos a expectativa que você cria. Quando você diminui a expectativa, você vive melhor. E viver melhor é ter felicidade”, começa. “Pretendo rodar o mundo e, se der errado, não tem problema… faço outro planejamento”.

Em dezembro, ele irá para Lisboa e Porto, em Portugal; em janeiro, voltará a três países que já conhece: Espanha (Barcelona), França (Paris) e Holanda (Amsterdã); e em março vai passar por Washington, D.C, nos Estados Unidos, voltará para Amsterdã, visitará Xangai, na China, e se der, conhecerá Pyongyang, capital da Coreia do Norte.

Após cumprir a meta de pisar nas 193 nações do planeta, Thadeu tem interesse em conhecer as que não são membros da ONU e selecionar dez lugares para curtir mais a fundo, como a Austrália e o interior do Irã, que conta com um acervo histórico da terra dos aiatolás. Em Xiraz, por exemplo, no sudoeste iraniano, a mesquita Shah Cheragh tem paredes cobertas com cacos de vidro brilhantes, que faz com que o templo pareça um cenário de ficção científica em tons verdes.

“Se não fosse o acidente, a história não estaria sendo essa. Eu seria mais um. Agora, tenho uma trajetória diferenciada. E deixo aqui uma dica para os jovens: se você colocar metas aos 20 anos, você terá uma história fantástica aos 30.”

** O número é baseado nos 193 países-membros da ONU. No entanto, o total de nações no mundo pode variar até 206.