Se o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), está preocupado com o abuso nos gastos com viagens do Executivo, deveria pedir aos próprios parlamentares para darem o exemplo. Levantamento do gabinete do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS-DF) no sistema de gastos do governo mostra que a Câmara e o Senado gastaram R$ 207,5 milhões em diárias, passagens aéreas e despesas com locomoção desde o início do governo Lula, em 2003.
É como se, ao longo de dois anos e dez meses, cada um dos 122 milhões de eleitores brasileiros tivesse contribuído com R$ 1,70 para pagar passagens e diárias, em missões oficiais, de parlamentares ou servidores do Congresso. Essa despesa é maior do que todos os gastos de manutenção do Ministério da Cultura (Minc) desde o início de 2005 até a semana passada. Em dez meses, o Minc usou R$ 206 milhões.
No período, os 513 deputados e seus funcionários consumiram R$ 155 milhões em viagens e R$ 4,78 milhões em diárias verbas disponíveis pelo Legislativo para custear as despesas de estadia e alimentação durante um dia. Proporcionalmente, os 81 senadores gastaram mais que os deputados: R$ 44,37 milhões, em passagens, e R$ 3,48 milhões, com diárias (leia mais). Em 2003, a Câmara gastou com passagens R$ 62,9 milhões. Em 2004, um pouco menos, R$ 57,2 milhões. Até o dia 19 de outubro deste ano, foram usados R$ 35 milhões, o que representa uma despesa média de R$ 302 mil em passagens por deputado.
Os gastos com diária, por sua vez, têm aumentado ao longo da atual legislatura. A Câmara gastou R$ 1,6 milhão no primeiro ano do governo Lula. Em 2004, houve um salto para R$ 1,8 milhão. Em 2005, já foi utilizado R$ 1,2 milhão. Excetuando as despesas com servidores, o total acumulado corresponde ao gasto médio, em diárias, de R$ 87,3 mil por deputado.
No caso dos senadores, são relativamente mais altos os gastos com passagens aéreas e mais baixos, os recursos destinados ao pagamento de diárias. Eles receberam R$ 16,6 milhões em passagens em 2003. No ano passado, uma pequena economia: R$ 16,2 milhões. Neste ano, foram usados até o momento R$ 11,4 milhões. Na média, cada senador já ultrapassou a casa do meio milhão de reais em passagens: o custo acumulado médio com diárias pagas aos senadores atingiu R$ 547 mil.
Em diárias, o elevado uso de verbas dos cofres públicos se repete de três anos para cá. Em 2003, foi gasto R$ 1,35 milhão. No ano passado, R$ 1,39 milhão. Até o dia 19 de outubro, já foram embolsados R$ 737 mil. Na média, se toda verba fosse usada para os senadores, haveria dinheiro para custear R$ 43 mil em diárias para os 81 parlamentares da Casa menos da metade do que os R$ 87 mil disponíveis aos deputados e seus assessores.
Críticas
A revelação feita de que a Câmara e o Senado gastaram, desde 2003, R$ 207,5 milhões em diárias, passagens aéreas e despesas com locomoção rendeu críticas do Tribunal de Contas da União (TCU) e cautela por parte dos deputados e senadores, os principais beneficiados dessa verba. "Os elevados gastos com viagens são um problema cultural da máquina pública", afirmou Marinus De Vries Marsico, procurador do Ministério Público junto ao TCU. "É um problema seríssimo, porque todos querem ter acessos a essas viagens", destaca.
De acordo com o procurador do tribunal, é preciso que as duas casas legislativas aperfeiçoem seus mecanismos de "controle interno" para identificar as eventuais irregularidades ou abusos no uso dos recursos. "Não dá para o TCU fazer isso sozinho", afirma Marinus. "Se ficássemos apenas por conta de apurar gastos com passagens, teríamos até de parar auditorias que estamos fazendo nos correios", revela. Caso houvesse um aumento no rigor com essas despesas, diz o procurador, mesmo assim o tribunal ficaria apenas com os casos de abusos mais flagrantes. (Congresso em Foco)
Parlamentares não condenam
Brasília – Os parlamentares evitaram condenar esses gastos. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), preferiu não esmiuçar os números apresentados pela reportagem. Mas defendeu um controle maior dos gastos por parte do Congresso. "Não tenho acesso aos dados, por isso, preferia não comentar", afirmou. "Mas, pelo que estou ouvindo, é um valor muito alto. Defendo uma austeridade fiscal que se aplica a todo o Estado, inclusive aos parlamentares".
Confrontado com os dados, o senador e ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) também fez coro com o líder do governo. "Não conheço os dados deste levantamento", disse. "Sei que as viagens aqui no Senado têm uma sistemática aprovada, eficiente, que sempre cobra justificativas de quem viaja". O senador tucano Tasso Jereissati (CE) disse que não tem referência "para julgar" se houve ou não excesso de gastos. "Só sei que nunca fiz viagens oficiais", afirmou o senador.
Embora ressalve que algumas viagens são "extremamente importantes", o líder da oposição no Senado, José Jorge (PFL-PE), foi o único a sugerir uma contenção de gastos com diárias e viagens.