Nos Estados Unidos, Raquel se sente pressionada para sempre parecer uma “mulher perfeita”. Na Índia, Ana tem dificuldades para encontrar preservativo e absorvente, pois a compra é feita praticamente de forma clandestina. Na África do Sul, Juliane não tinha coragem de sair à noite, mesmo que de carro. Já Luísa circulava sem problemas na Austrália, mas se incomodava se der considerada “exótica”.

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No Dia Internacional da Mulher, o Estado coletou depoimentos de 25 brasileiras que moram ou moraram em diferentes países, de todos os continentes, para contar como é a vida da mulher nesses locais. O que é permitido a uma mulher na Árábia Saudita? Como é a vida delas no Timor Leste? Qual o grau de liberdade têm na França? Nesta página estão cinco desses relatos, e os demais compõem o especial que pode ser acessar no estadao.com.

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Nesta quarta-feira, 8, mulheres vão sair às ruas em pelo menos 30 cidades brasileiras e outras 150 em todo o mundo e prometem fazer ainda uma paralisação internacional sem precedentes. A Greve Internacional de Mulheres (GIM), também denominada Paro Internacional de Mujeres e International Women’s Strike, não pertence a coletivo ou país em específico. É um movimento organizado por mulheres de mais de 40 países.

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No Brasil, o movimento é chamado de 8M, sigla para 8 de março. Inspirado na Women’s March, ocorrida nos Estados Unidos em janeiro, surgiu no País no mês passado.

Criadora do 8M em São Paulo, a cineasta e pesquisadora Marina Costin Fuser contou que aceitou o convite da militante feminista americana Angela Davis. Filósofa presente no ato norte-americano em janeiro, Angela leu uma carta pedindo a união de mulheres e convocando uma mobilização mundial. Há um mês, criou um grupo de discussão sobre o 8M no Facebook que, em dois dias, mobilizou 5 mil pessoas interessadas em organizar o ato desta quarta-feira, 8, em todo o Brasil.

‘Primavera feminista’. “Estamos no auge da primavera feminista, com a juventude pautando. O feminismo está na ordem do dia. Portanto, no 8M, levantaremos bandeiras contra a violência doméstica, pela legalização do aborto, contra a pedofilia e a violência infantil e pela igualdade de gênero no local de trabalho”, afirma a criadora do movimento em São Paulo.

De acordo com Marina, quem não puder interromper o trabalho desta quarta-feira, 8, fica o convite para suspender as atividades domésticas. Outra sugestão do 8M para esta quarta-feira é que as mulheres se reúnam para debater sobre desigualdades de gênero entre 12h30 e 13h30 (horário estabelecido pelo grupo no Brasil).

Natalia Corazza Padovani, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conta que o movimento feminista se fortaleceu em reação à uma guinada conservadora em andamento ao redor do mundo. Para ela, a opressão das mulheres se manifesta de diversas formas e em vários países e, por isso, acredita, o combate ao machismo ganha com a ação conjunta.

Estados Unidos: ‘Aqui, não se está imune à violência’

“Enquanto mulher, lésbica, imigrante e latina morando na Baía de San Francisco, ser mulher perpassa várias dessas identidades. Durante a maior parte dos 10 anos que vivo aqui, tenho trabalhado no serviço doméstico, cuidando de crianças. Na maioria das vezes, é isso que cabe à mulher latina: participar na economia informal. Sinto-me livre ao andar pelas ruas segurando a mão da minha parceira ou ao ser afetuosa com minha ela em lugares públicos. Sinto-me livre quando decido adotar uma aparência masculina, pois sei que não serei alvo de chacota. Mas a mesma lógica de violência contra a mulher que existe no Brasil também existe nos Estados Unidos. Não estou imune. Não ando à noite sozinha em lugares que não conheço, procuro saber onde e quando beber e como lidar com o assédio sexual em festas, principalmente enquanto brasileira, que é frequentemente objetificada.”

França: ‘Há os clichês negativos com o Brasil’

“Ser mulher na França, para mim, é ser exotizada. Quando você fala para um francês que é brasileiro, o Brasil evoca muitas imagens positivas. Mas essas imagens positivas, muitas vezes, trazem clichês racistas, homofóbicos, transfóbicos e sexistas. Quando eu comecei a trabalhar na França, na minha primeira semana de trabalho, colegas mostraram vídeos de bailarinas brasileiras dançando nuas e perguntando se eu usava calcinha fio dental. Eles achavam que isso era uma forma de puxar assunto sobre o Brasil. Assim como já fui a uma festa – isso já me aconteceu algumas vezes – e alguém perguntou: “Você é brasileira? Você é uma mulher de verdade?”. No momento em que a pessoa me perguntou isso pela primeira vez, não entendi o que era. Demorei para entender que era realmente um comentário transfóbico. Porque existe a fama das transexuais brasileiras na França. Muitas vezes todos esses clichês trazem tudo isso de negativo com as mulheres brasileiras.”

Austrália: ‘Perpetua-se o estereótipo de ser sexy’

“Ser mulher em um país como a Austrália me permitiu ter mais liberdade do que no Brasil. Eu me sentia mais segura para sair nas ruas, sem tanto medo de assédio ou violência. Tinha um grau de liberdade maior do que no Brasil, apesar de às vezes ser mais sexualizada. Alguns disseram que eu era exótica e outros perpetuavam o estereótipo de brasileira ser sexy. Sempre me permiti fazer o que quisesse no Brasil e até sofri por isso porque fui assaltada várias vezes e assediada, como as brasileiras são. Na Austrália, agia da mesma forma, me permitia fazer o que quisesse. Mas nesse período em que morei lá não tive nenhum incidente por ser mulher – exceto a hiperssexualização de alguns, por ser brasileira. Foram poucas as vezes em que precisei estar sozinha, mas não deixei de fazer coisas sozinha. Confesso que ser mulher significa sempre ter medo de andar na rua sozinha, no Brasil ou na Austrália. Mas talvez por ter nascido num país violento essa sensação me acompanha.”

Angola: ‘É comum ouvir cantadas nas ruas’

“Minha vida em Angola é parecida com a que tinha no Brasil. Trabalho de segunda a sexta, vou ao cinema, saio com os amigos, faço exercícios na Marginal de Luanda, vou à praia… Luanda é tão quente e úmida quanto o Rio, então uso basicamente as mesmas roupas. É claro que a sociedade aqui ainda é muito centrada no homem. É comum ouvir comentários machistas ou cantadas enquanto ando na rua. Mas como boa brasileira que sou, não me intimido. Respondo de volta e os caras logo param. Sendo mulher, me permito fazer quase tudo em Luanda. Moro no centro e faço muita coisa a pé: mercados, trabalho, restaurantes. Saio também para a balada sozinha sem problemas. Durante o dia, até me permito andar de candongas – os táxis azul e branco, parecidos com as vans do Rio -, mas procuro sentar próximo de outras mulheres ou do motorista. De noite, só uso os táxis de cooperativas com motoristas credenciados e rastreáveis. De resto, evito andar sozinha.”

Arábia Saudita: ‘Vive-se uma liberdade moderada’

“Sou brasileira-libanesa e sempre vivi no Brasil. Casei e meu marido trabalha na Arábia Saudita. Então, passamos a morar aqui. Em Jeddah, quase todos os restaurantes têm uma seção só para famílias e outra totalmente separada, onde entram só homens solteiros – e não mulheres solteiras. Sou muçulmana e para mim é natural cobrir o cabelo, usar o véu.Posso andar no shopping sozinha.Mulher não pode dirigir aqui. Quando não saio com meu marido de carro, pego Uber. Tive uma situação que passei que fiquei com um pouquinho de medo. Não usava véu, mas depois dessa situação preferi começar a usar. Porque os homens mexem. Não é que usar o véu vai me proteger, mas talvez na cabeça dos homens a mulher que usa o véu é mais reservada do que a mulher que não usa. É como se fosse no Brasil: mulher de minissaia na rua é comparável à mulher sem véu na Arábia Saudita. É liberdade moderada.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.