Num plenário esvaziado devido a um rígido controle de segurança, Ministério da Saúde e Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde aprovaram nesta quinta-feira, 14, a reformulação da política de saúde mental. O novo modelo reforça o papel de hospitais psiquiátricos, que voltam a fazer parte da rede de atendimento, e incentiva a criação de enfermarias especializadas em hospitais gerais – com preferência para aquelas que reúnem maior número de pacientes.
O formato é considerado por parte de especialistas como um retrocesso à lei de 2001, que determinou o fim da rede centrada nos hospitais e deu espaço para o atendimento ambulatorial. “Essa resolução abre a porteira para o retorno do modelo manicomial”, avalia o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Paulo Amarante.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, classificou como “inadequadas” as críticas feitas à reformulação da política de saúde mental. “É puramente ideológica, que não tem nada a ver com o mundo real. Ela é boa para o Brasil, boa para o usuário”, disse. “Os defensores do modelo antigo não se dão conta que a demanda mudou”, argumentava.
Muito criticado por integrantes do movimento antimanicomial, o texto aprovado nesta quinta tem uma versão mais branda do que era esperado. “Ele veio mais leve, mas isso não é à toa. Isso ocorreu graças à pressão, sobretudo depois da manifestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão”, disse Amarante. Para ele, no entanto, não há dúvidas de que o texto traz sérias ameaças ao modelo centrado no atendimento de rede multidisciplinar, em ambulatórios. “Basta ver o aumento das vagas em hospitais gerais. Vão para 60. São manicômios disfarçados.”
O presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), Michelle Caputo Neto, avalia que o texto aprovado não traz o retrocesso descrito por movimentos contrários à reformulação. “Ele mantém a proibição de aumentar os leitos em hospitais psiquiátricos, melhora a remuneração e prevê aumento de residências terapêuticas, além de criar um novo serviço, o de CAPs Álcool e Drogas próximas da Cracolândia”, disse Caputo.
Mudanças. Uma das principais mudanças da nova resolução é a garantia de que não haverá redução de leitos em hospitais psiquiátricos. Até então, a política recomendava que, com a transferência de um paciente para o atendimento ambulatorial, a vaga deveria ser fechada. Em caso de necessidade, pacientes deveriam ser atendidos em leitos reservados em hospitais gerais para atendimento de saúde mental.
Ao justificar a alteração, o coordenador do Programa de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, afirmou que o País tem uma quantidade insuficiente de leitos psiquiátricos. “Eles não dão conta da demanda sanitária”, assegurou. Ele não soube dizer, no entanto, qual é a real oferta no País. “Os registros informam 18.200 vagas. Mas o cadastro pode estar desatualizado.”
Além de interromper o fechamento de vagas, a reforma garante o aumento do valor da diária para internação em hospital psiquiátrico, dos atuais R$ 49 para R$ 80. “O reajuste vai qualificar o atendimento”, disse Cordeiro. Para tentar inibir longas permanências, disse, haverá uma redução nos valores quando o período de internação ultrapassar um limite.
Na primeira proposta, o valor da diária era único, independentemente do número de leitos. Diante das críticas, o pagamento será feito por faixas. Hospitais de menor porte receberão valores mais altos – uma medida já prevista na regulação atual que tenta evitar grandes hospitais.
A lógica, no entanto, não vale para o caso dos hospitais gerais. A nova regra vai permitir a criação de até 60 leitos por unidade. De acordo com Cordeiro, a medida atende a uma tendência do mercado. “Estudos mostram que unidades que reservam poucos leitos têm uma taxa de ocupação bem menor do que hospitais com maior número de vagas.”
Combate ao vício. A proposta original previa ainda integrar as Comunidades Terapêuticas à rede de assistência. Hoje, diante da sugestão do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde, esse trecho foi retirado. Com a mudança, o presidente do Conass, Michele Caputo Neto, assegura que não será possível o aporte de recursos da Saúde para financiar o atendimento de dependentes de drogas.
A reportagem apurou que, num primeiro momento, a intenção do Ministério da Saúde era reservar R$ 240 milhões anuais para o atendimento nessas casas – na sua grande maioria, ligadas a grupos religiosos. Questionada, a Pasta afirmou que, mesmo sem integrar as comunidades terapêuticas à rede de atendimento, o aporte de recursos é possível.
Esse é outro ponto criticado pelo movimento antimanicomial. “São vários os relatos de desrespeito aos direitos humanos nessas unidades. Além disso, não há estudos que demonstrem que o atendimento dado nesses locais é eficaz”, observa o pesquisador da Fiocruz, que também é vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Cordeiro afirma que a ideia é dar suporte para essas unidades, com protocolos clínicos de cuidados. Atualmente, a Secretaria Nacional de Política Nacional sobre Drogas tem 4 mil vagas nessas instituições credenciadas. O Ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou ter “todo interesse” de investir nesse setor. A intenção é ampliar o número de vagas para 20 mil, das quais metade seria financiada pela Pasta. O restante seria financiado pelo Ministério da Justiça e do Desenvolvimento Social.
As mudanças foram aprovadas numa votação de menos de 15 minutos, sem debate. Do lado de fora, manifestantes protestavam com palavras de ordem e cartazes. “O processo todo atropelou a democracia, o controle social. É o assassinato da reforma psiquiátrica”, afirmou Larissa da Silva, do Fórum Gaúcho de Saúde Mental.
Cordeiro rebate as críticas e afirma que a resolução reforça também o atendimento ambulatorial. O credenciamento de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) será ampliado – 70 no primeiro momento. Também serão criadas equipes de atendimento que vão atuar em casos que não podem ser atendidos nas unidades básicas, por serem mais complexos mas que, por outro lado, não demandam a assistência dos Caps. Tais equipes devem funcionar sobretudo nas unidades básicas. Não está definido qual será o valor destinado para municípios ou Estados que optarem por esse novo modelo de assistência. Ele deverá funcionar por adesão.
Nesta quinta, foi aprovada a resolução, mas é aguardada ainda a edição de outras quatro portarias. Caputo afirmou que o ideal seria que os textos das demais portarias sejam discutidos com Conass e Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde). Mas, segundo ele, não há necessidade de que isso ocorra.
Principais pontos da resolução
1. Manutenção das vagas em hospitais psiquiátricos e reajuste das diárias
2. Hospitais gerais poderão reservar 20% de sua capacidade para alas psiquiátricas, num máximo de 60 leitos. Enfermarias com maior número de leitos terão incentivo maior do que enfermarias com vagas reduzidas
3. Criação de equipes de assistência multiprofissional de média complexidade em saúde mental. Grupos vão atuar em ambulatórios, mas com profissionais habilitados. A ideia é ofertar atendimento intermediário entre ambulatório (mais simples) e o CAPS, destinado para casos mais complexos
4. Ampliação de comunidades terapêuticas credenciadas de 4 mil para 20 mil. Ministério da Saúde vai financiar 10 mil. Estão previstas capacitações. Nesses locais não é permitida a dispensação de medicamentos
5. Plano de Ação de Prevenção contra Suicídio será desenvolvido em 6 Estados considerados prioritários: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Piauí e Roraima
6. Valores repassados para financiar Residências Terapêuticas serão reajustados. No caso de residências terapêuticas de nível 1, o valor passará de R$ 10 mil para R$ 20 mil. No caso das residências de nível 2 (mais complexas), o valor passará de R$ 20 mil para R$ 30 mil mensais. Em cada residência vivem até 10 pacientes.
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