A peregrinação do deputado José Dirceu (PT-SP) em defesa de seu mandato nesta reta final, até quarta-feira, assumiu o ritmo de uma verdadeira campanha nacional, com a realização de atos e mobilização de movimentos sociais, sindicatos, intelectuais e artistas, em vários estados, e apoio agora mais explícito de ministros e altas autoridades do governo Lula.
Independentemente de ser cassado ou não, o fato é que ele já conseguiu, também com os insistentes recursos à Justiça, pelo menos uma vitória: a de melhoria de sua imagem. A arrogância inicial deu lugar a uma inesperada humildade e simpatia, como contam os que são procurados por ele. José Dirceu colocou como um objetivo para si mesmo conversar com todos os deputados da Câmara Federal, independente de partido ou cara feia. Ouviu muitos desaforos pacientemente e também colheu apoios inesperados com os quais espera se safar da cassação, que ele considera um ?fuzilamento?. O seu discurso é o da vítima que, juntamente com o governo do PT, virou alvo da oposição e não está tendo direito a um julgamento justo.
Conseguiu apoio de setores da sociedade: militantes do PT e sindicalistas voltaram a defendê-lo, e autoridades do Executivo, como o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, e o vice-presidente, José Alencar, começaram a mostrar a cara em atos de solidariedade a Dirceu. Ele parece estar conseguindo o que disse desde o início do processo: ?Posso cair, mas caio em pé?.
?O clima está melhorando muito, mas muito mesmo. Os apoios só aumentam. Setores da sociedade estão percebendo que a oposição quer atingir o PT e o governo do PT de forma muito radicalizada, violentando o devido processo legal. E não aceita isso?, avalia Dirceu. Outra estratégia é vincular sua imagem à do governo Lula e mostrar que defender seu mandato é defendê-lo. Neste sábado ele participou de um ato em Santos de desagravo ao presidente Lula por causa da promessa de surra do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) e do deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).
?Sua estratégia é tirar a personalidade Dirceu e botar no coletivo. Só que tem aí uma grande contradição: no governo ele rompeu os laços com os movimentos sociais. Agora descobriu que, se não fizer laços com os de fora, os de dentro do parlamento pegam ele. Que extrema ironia! Agora o movimento social é que pode salvá-lo. A campanha mais forte é de fora para dentro?, diz o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), da esquerda do partido.
Neste fim de semana Dirceu participaria de atos no Mato Grosso do Sul, São Paulo, Pernambuco e Paraíba. Circula como um candidato, numa cruzada contra a cassação de seu mandato. Ontem, por exemplo, participou de um ato público na Câmara Municipal de Santos, no litoral paulista. O ato, como nos anteriores, teve por objetivo manifestar apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PT e ao próprio Dirceu, que está ameaçado de cassação do mandato, acusado de chefiar o pagamento do mensalão a parlamentares da base. O ato dos petistas de Santos foi realizado na sala Princesa Isabel, da Câmara, no centro de Santos. Ao lado de José Dirceu, um dos cabos eleitorais mais fortes é o escritor Fernando Morais. Enquanto Dirceu andava pelos estados do Nordeste e pelo Centro-Oeste, Morais passou os últimos dias em palestras pelo interior de Minas Gerais falando a intelectuais e integrantes do meio acadêmico contra o processo de cassação.
Escritor virou um ferrenho cabo eleitoral
Brasília – No papel de cabo eleitoral de José Dirceu, Fernando Morais pede a todos que enviem e-mails e telefonem para os parlamentares protestando contra a cassação. Também mandou cartas para 35 deputados amigos pedindo ajuda. Inclusive do PFL. ?Zé está mais seguro e tranqüilo, sentindo que as pessoas estão começando a se sensibilizar. A cada cidade que vou, pedem-me para falar do processo e sinto uma reação muito positiva. E isso está se refletindo no plenário. O quadro hoje é muito diferente de quando ele saiu do governo?, diz Morais, que hoje estará fazendo campanha pró-Dirceu no Sindicato dos Jornalistas do Rio.
A oposição começa a manifestar a preocupação com a salvação de Dirceu. Os petistas, mesmo os mais à esquerda, atestam a mudança de sentimento entre os parlamentares. ?O que se percebia até há algum tempo, aquele sentimento quase absoluto de cassação e de que Dirceu teria mais votos do que Roberto Jefferson, está se revertendo. Tenho ouvido elogios à postura dele de não se entregar. Muitos repetindo que faltam provas contra ele e citando os erros nos casos de Ibsen Pinheiro e Alceni Guerra?, afirmou Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).
No ato em solidariedade a ele realizado na quarta-feira em Brasília, o presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), lamentou, em seu discurso, que ainda haja no partido os que não perceberam que defender o mandato do Dirceu é defender o governo Lula. Outra estratégia dos amigos é criticar a atuação do relator do processo de Dirceu no conselho, deputado Júlio Delgado (PSB-MG). O petista Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) atacou publicamente Delgado, afirmando que não é papel de relator dar declarações dizendo que persegue a cassação. Para outros, Delgado colabora para dar a Dirceu o benefício da dúvida. ?É impossível ficar indiferente à arbitrariedade de um relator sem compostura. O que o STF está dizendo é para o relator ter compostura?, diz o deputado Paulo Delgado (PT-MG).
A mobilização pró-Dirceu começou com pequenos grupos de intelectuais, artistas, gente da imprensa alternativa, economistas, empresários, reitores. Logo o deputado se arriscou a chamar uma plenária para conversar com os militantes de São Paulo. Reuniu 300 pessoas no Hotel Paulistano. Depois a rede de amigos criou blogs e começou a organizar atos maiores.
A reunião de prefeitos em São Paulo, coordenada por José Filipi, de Diadema, foi seguida por ato em Belo Horizonte. Mas o mais emblemático foi o ato em Brasília, que contou com a participação do ministro das Relações Institucionais Jaques Wagner e do vice-presidente José Alencar. Dirceu também passou a contatar governadores e ministros.