O alarmante aumento das infecções resistentes a antibióticos é uma ameaça que tem preocupado autoridades de saúde em todo o mundo, mas a solução pode estar, literalmente, nos nossos narizes.
Cientistas da Alemanha descobriram, em uma das milhares de bactérias presentes nas narinas humanas, uma nova molécula com potente efeito contra outras bactérias, matando até mesmo a MRSA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina, na sigla em inglês), que causa graves infecções hospitalares e resiste aos medicamentos atualmente disponíveis.
Isolada a partir da bactéria Staphylococcus lugdunensis, a nova molécula, batizada de Lugdunin, é o primeiro exemplo conhecido de uma nova classe de antibióticos. O estudo que a descreve foi publicado nesta quarta-feira, 27, na revista científica Nature. Segundo os autores do artigo, a descoberta poderá auxiliar o desenvolvimento de novas terapias para as infecções bacterianas de difícil tratamento.
O estudo foi liderado por Andreas Peschel, Alexander Zipperer e Bernhard Krismer, todos da Universidade de Tübingen, na Alemanha.
De acordo com Peschel, a Staphylococcus aureus também coloniza as cavidades nasais humanas e pode ser encontrada em cerca de 30% das pessoas.
Considerada uma bactéria oportunista, ela se aproveita de fragilidades do organismo – por exemplo, no contexto hospitalar – e causa inúmeras infecções, como bacteremia, pneumonia, osteomielite, endocardite, miocardite e meningite.
“Não se sabe exatamente como os outros 70% da população resiste à colonização pela Staphylococcus aureus. Já sabíamos que a presença de várias bactérias nasais, incluindo outras espécies de estafilococos, tem correlação negativa com a sua presença. Por isso, resolvemos testar várias delas”, explicou Peschel.
Os cientistas analisaram então 90 amostras de diferentes estafilococos presentes nas narinas humanas, a fim de testar até que ponto cada uma delas é capaz de inibir o crescimento da Staphylococcus aureus.
Nos testes de laboratório, uma das linhagens identificadas, a Staphylococcus lugdunensis, teve um efeito devastador sobre uma população de Staphylococcus aureus em desenvolvimento. Isso sugeria, segundo os cientistas, que a linhagem liberava algum composto antibiótico.
A equipe de pesquisadores então montou uma coleção de Staphylococcus lugdunensis mutantes, nas quais diversos genes foram individualmente “desligados”. Em seguida, testaram novamente a ação da Staphylococcus lugdunensis contra a Staphylococcus aureus, utilizando desta vez as bactérias mutantes. Com isso, eles identificaram uma única mutante que era incapaz de inibir a bactéria super-resistente.
O grupo passou então a estudar a bactéria mutante, para descobrir qual proteína o gene “desligado” deixou de produzir, tornando-a ineficaz contra a Staphylococcus aureus. Eles identificaram então o composto, um antibiótico peptídico que foi batizado de Lugdunin.
“A descoberta sugere que o tratamento com a própria Staphylococcus lugdunensis, ou o uso da Lugdunin, pode ser uma ferramenta útil para a prevenção clínica da colonização por Staphylococcus aureus”, disse Peschel.
Usando a Lugdunin, os cientistas conseguiram tratar, em camundongos, infecções de pele causadas por Staphylococcus aureus. O estudo também mostrou que o composto tem uma potente atividade antimicrobiana contra uma ampla gama de bactérias Gram-postivas, incluindo a MRSA. Foi demonstrado também que o novo antibiótico não causa o desenvolvimento de resistência do Staphylococcus aureus.
Os autores também examinaram a cavidade nasal de 187 pessoas hospitalizadas e descobriram que a Staphylococcus aureus coloniza os narizez de 5,9% dos indivíduos portadores de Staphylococcus lugdunensis, contra 37,7% no caso dos não-portadores.
Segundo eles, esses dados indicam que, nas narinas humanas, a Staphylococcus lugdunensis parece ajudar a manter a Staphylococcus aureus sob controle.