Estamos sozinhos no universo? Existe vida em algum outro mundo? Essas perguntas inquietam a humanidade – e cientistas, em particular – não é de hoje. Foram as dúvidas que moveram uma dupla de astrônomos suíços a descobrir, em 1995, o primeiro planeta fora do nosso Sistema Solar, orbitando uma estrela semelhante à nossa. O feito, que rendeu a eles o Prêmio Nobel de Física deste ano, foi o pontapé inicial para uma caçada que já identificou, depois disso, mais de 4 mil exoplanetas.
Mas as dúvidas iniciais continuam. Ainda não encontramos um sistema solar gêmeo ao nosso – a principal aposta de vida fora da Terra. São essas questões que movem a próxima etapa da jornada: um projeto da Agência Espacial Europeia (ESA) para lançar em 2026 o satélite Plato. O Brasil é o único país fora da Europa a colaborar.
Mais de uma dezena de cientistas de 11 instituições brasileiras ajudam na construção e na montagem do satélite, que terá como objetivo principal tentar achar um planeta rochoso com tamanho mais próximo do nosso, orbitando uma estrela como o nosso Sol, a uma distância com as condições básicas para abrigar vida.
Segundo o astrônomo e astrofísico Eduardo Janot Pacheco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), e coordenador do comitê Plato-Brasil, o novo satélite vai aliar alta precisão fotométrica a um amplo campo de visão. O equipamento vai cobrir uma área do céu quase 20 vezes superior à coberta pelo Kepler, da Nasa, o maior satélite já lançado para estudar exoplanetas e que também tinha a missão de tentar achar novas Terras.
Por cerca de nove anos, o Kepler varreu o universo e observou mais de 530 mil estrelas. Até o fim de 2018, tinha achado sozinho 2.662 exoplanetas – fora do nosso Sistema Solar -, alguns de tamanho próximo ao da Terra.
Os achados mais comuns do satélite da Nasa, porém, foram de corpos sem similares no nosso Sistema Solar. Outros satélites e telescópios também encontraram, nesse meio tempo, planetas pequenos e rochosos, mais ou menos do tamanho da Terra, na zona habitável – a uma distância de suas estrelas que pode permitir a existência de água líquida. Mas ainda se procuram condições mais similares à nossa.
O Plato deve operar por cerca de 6,5 anos. A cada dois, vai mirar para uma mesma região no espaço, podendo enxergar 270 mil estrelas ao mesmo tempo. Ao fim da expedição, pode chegar a observar até 1 milhão de estrelas.
Brilho
“A vantagem de ter um campo de visão tão grande é que o Plato vai conseguir ‘ver’ um número maior de estrelas brilhantes, como o nosso Sol”, explica o engenheiro Victor Atilio Marchiori, da Escola Politécnica da USP. Isso é importante porque a forma como o satélite consegue identificar os planetas é pela análise da luz emitida pelas estrelas. Quando o planeta, em sua órbita, passa na frente da estrela, isso causa uma variação na luz que ela emite, como se fosse um mini-eclipse.
Mas se a estrela for pouco brilhante, planetas muito pequenos passam despercebidos, já que vão causar pouca variação na luz da estrela. É por isso que o Kepler acabou detectando muitos planetas gigantes. “Mas num campo de visão 20 vezes maior, a probabilidade de ver estrelas mais brilhantes também fica maior”, diz Marchiori. O engenheiro atua no projeto calibrando o sistema para a obtenção dessas imagens.
Ocorre que outros fenômenos podem imitar esse efeito dos trânsitos planetários, gerando falsos positivos. É onde entra o trabalho de Marchiori e de Fábio de Oliveira Fialho, professor da Engenharia Elétrica da Poli e pesquisador afiliado ao Observatório de Paris, que fazem correções nos instrumentos para torná-los dez vezes mais precisos do que as análises do Kepler, por exemplo.
Para ilustrar a dificuldade, Pacheco diz que é como se alguém em outro mundo estivesse buscando a Terra, que leva um ano para dar a volta em torno do Sol. “Se alguém olhasse para a nossa estrela, veria a Terra passar uma vez por ano. Para ter certeza de que é mesmo um planeta e não um ruído, precisaria olhar por muitos anos, o que é caro.”
Outra dificuldade, explica Pacheco, é que no universo há dez vezes mais estrelas menores do que aquelas com o tamanho do nosso Sol. Como há muitas delas, muitos dos exoplanetas já descobertos ficam ao redor dessas estrelas. Por serem pequenas, o tempo de órbita dos planetas é curto, o que facilita também a detecção pelo satélite.
Mas em muitos casos essas estrelas são o que os pesquisadores chamam de “hostis”, instáveis, emitindo muita radiação. Mesmo se o planeta estiver na zona habitável, não necessariamente essas condições favoreceriam a vida por ali. “A definição de zona habitável só considera as condições que possibilitariam haver água em estado líquido, mas a vida depende de muitos outros fatores. Se a estrela é pequena e o planeta se encontra muito perto dela, não terá condições de abrigar vida”, diz Marchiori.
A maioria dos achados até hoje foi de gigantes gasosos. Muitos dos planetas pequenos e rochosos estão muito perto de suas estrelas, o que faz com que a temperatura seja de centenas de graus. Por isso, o foco do Plato será estrelas parecidas com a nossa e planetas semelhantes ao nosso. “É onde acreditamos que estão as maiores chances de se encontrar algum tipo de vida fora da Terra.”
Precisão
Uma das conclusões das pesquisas com dados do Kepler é que é provável que de 20% a 50% das estrelas no céu tenham planetas pequenos, possivelmente rochosos, de tamanho parecido com o da Terra, em suas zonas habitáveis. O Plato terá a capacidade de investigar de modo mais abrangente essas possibilidades.
Nesse levantamento tão grande de dados, ele vai precisar de uma grande precisão. Boa parte da qualidade deve ser obtida com um método ótimo de extração de fotometria – medição da quantidade emitida de fotons – das estrelas que serão observadas pelo Plato. Isso foi possível com um desenvolvido por Marchiori durante seu doutorado feito em regime de cotutela entre a Poli e o Observatório de Paris. O artigo com a descrição da metodologia foi publicado em julho na revista Astronomy & Astrophysics.
Fialho já havia feito um trabalho de correção dos instrumentos com o satélite francês Corot, lançado no fim de 2006. Foi o que abriu mais espaço para o Brasil colaborar com o Plato. A participação brasileira se insere em um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que fez aporte de R$ 8 milhões.
Participam ainda a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Guaratinguetá, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, o Instituto Mauá de Tecnologia, o Observatório Nacional, as Federais de Minas (UFMG) e do Rio Grande do Norte (UFRN), o Observatório do Valongo, o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR).
Exoplaneta rendeu Nobel
Os astrônomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz foram laureados no último dia 8 com o Prêmio Nobel de Física pela primeira descoberta de um exoplaneta que orbita uma estrela semelhante à nossa fora no nosso Sistema Solar. Eles encontraram em 1995 o planeta 51 Pegasi b, ao redor da estrela 51 Pegasi. Trata-se de um gigante gasoso comparável ao maior planeta do nosso Sistema Solar, Júpiter.
O método usado por eles não foi o do mini-eclipse, adotado pelo Plato e pelo Kepler. Eles identificaram pequenas alterações na posição da estrela, causadas pela força gravitacional exercida pelo planeta quando ele passa perto dela. O achado iniciou uma revolução na Astronomia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.