Expressões como “sexualidade”, “gênero” e “orientação sexual” foram retiradas dos planos de Educação de Estados e municípios, após pressão de bancadas religiosas. Vereadores e deputados tinham até a última quarta-feira, 24, para aprovação, quando se completou um ano da sanção do Plano Nacional de Educação (PNE), que traz diretrizes e metas a serem alcançadas até 2024.
Até o momento, apenas 13 Estados aprovaram o plano. Destes, apenas quatro mantiveram as referências de gênero – Amapá, Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Dos 5.570 municípios do País, 3.676 (66%) já sancionaram o projeto que prevê metas e estratégias para a área.
Em 1.345 (24%) cidades, o projeto ainda não foi votado e em 549 (10%), o plano de Educação foi aprovado e falta apenas a sanção do prefeito. O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, critica a exclusão dos termos que se referem a gênero e o atraso na aprovação. “Num ambiente político mais saudável, já deveria estar aprovado. É importante que essa diversidade seja reconhecida como algo natural, não se trata de propaganda e, sim, de esclarecimento de cada indivíduo”, afirma.
Várias cidades registraram manifestações durante a votação. No Recife, a votação precisou ser realizada a portas fechadas após protestos de estudantes e representantes do sindicato dos professores. Já em Manaus, grupos religiosos protestaram e conseguiram retirar as palavras que fazem referência à questão de gênero do texto.
As questões de gênero também foram excluídas em vários municípios como Goiânia (GO), Ponta Grossa (PR), Curitiba (PR) e Mossoró (RN). Foi retirado também no interior paulista, em cidades como Americana, Sorocaba, Jundiaí, Santa Bárbara d’Oeste e Valinhos. Melo afirma que o Brasil passa por um surto conservador envolvendo várias questões, refletido nas urnas. Houve um crescimento da bancada dos “4 B” (Boi, Bala, Bola e Bíblia) analisa o cientista político. “A sociedade brasileira sempre foi conservadora e há o elemento conjuntural”, afirma. “É como se tirasse a questão da cidadania ou da desigualdade social, vai continuar existindo, mas haverá uma lacuna.”
Na cidade de São Paulo, o texto foi aprovado nas comissões mas só será votado pelos vereadores em agosto. Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que “não possuir esse documento no prazo determinado pela lei do PNE torna os gestores passíveis de punições pelo descumprimento de um dispositivo legal”.
As referências de gênero foram excluídas do plano na capital paulista. O autor do texto foi o vereador Ricardo Nunes (PMDB), que ressaltou o consenso da Câmara Municipal de que não deveria ter gênero. “Não há nada de conservadorismo, nem preconceito. O Estado não pode entrar num âmbito sem o consentimento da família. Não dá para discutir a sexualidade de gênero com crianças na faixa de 0 a 14 anos”, afirmou Nunes.
Contrário à exclusão, o professor e vereador Toninho Vespoli (PSOL) vê prejuízos em como o texto foi aprovado. “A escola não é uma ilha no oceano. Temos que mostrar para as crianças que existem diferenças, cada família não pode olhar apenas para o seu umbigo”, afirmou Vespoli, que também destacou que outras importantes discussões ficaram de fora do texto, como financiamento e o número de alunos em cada sala de aula.