As empresas de ensino superior devem começar a testar ainda este ano novos formatos de crédito estudantil privado, na tentativa de melhorar a oferta depois das restrições no programa de financiamento do governo, o Fies. Em entrevistas exclusivas ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, executivos de companhias de capital aberto do setor afirmam que esperam um aumento na oferta, mas, diferentemente do que ocorreu no ano passado, em meio ao calor da crise do Fies, o esforço agora é o de restringir o comprometimento de recursos próprios com financiamento.
A Kroton pode colocar em prática, a partir do segundo semestre deste ano, um piloto de seu programa de financiamento de longo prazo, de acordo com o vice-presidente de Finanças, Frederico Abreu. A empresa tem conversado com bancos sobre a hipótese de criação de uma joint venture para crédito estudantil e pode ainda optar por usar um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FDIC).
A expectativa da empresa, segundo Abreu, é diversificar o funding depois que a companhia decidiu comprometer recursos próprios com um empréstimo de curto prazo para alunos que não tinham conseguido o Fies, no auge das mudanças do primeiro semestre do ano passado. Ao final de setembro, eram 17,9 mil alunos financiados pela Kroton nesse sistema, com recursos de seu próprio balanço. Mas a maior parte deles entrou no começo do ano e, no segundo semestre, a oferta foi reduzida. O objetivo, diz Abreu, é manter uma oferta mais controlada desse produto de maior risco para a empresa daqui para frente.
A Ser Educacional, que também implementou um financiamento com recursos próprios, o Educred, acredita na possibilidade de que outros programas avancem ainda este ano. De acordo com o presidente da companhia, Jânyo Diniz, a empresa estuda formas de associação com instituições financeiras que envolvem a instituição de ensino subsidiar parte dos juros ou assumir o risco de crédito. Ainda que esse modelo também possa impactar os resultados no caso de alta inadimplência, Diniz considera que a alternativa é menos arriscada do que o financiamento com recursos próprios.
Já a Estácio não usou recursos próprios com financiamento no ano passado. Mas a empresa espera ampliar o crédito oferecendo produtos já existentes no mercado para os estudantes de ensino a distância, uma vez que hoje os modelos são mais voltados para a graduação presencial. Outra alternativa seria a empresa utilizar captação de recursos por meio de FDIC e assumir algum risco de crédito, embora o diretor Financeiro, Virgílio Gibbon, faça ressalvas. “Se a gente vai assumir risco no nosso balanço ou não e quanto é algo que ainda não está definido”, comenta.
O setor vive o desafio de entrar em terreno desconhecido, mas os executivos descartam que o crescimento das matrículas daqui para frente dependa de uma oferta de crédito excessivamente agressiva, com muita tomada de risco. “O financiamento é importante, mas, por outro lado, os preços das mensalidades hoje chegaram a um patamar capaz de enquadrar estudantes de diferentes classes de renda”, afirma Gibbon.
Para Abreu, a demanda de alunos pagantes, sem financiamento, por ensino, não está ameaçada no longo prazo. O financiamento, diz, pode ajudar a incluir mais alunos por sala de aula e a diluir custos. Como a operação de uma sala de aula tem um custo fixo, para não comprometer a rentabilidade, as salas serão preenchidas primeiramente com alunos pagantes, depois com os financiados com recursos terceiros. Por fim, a companhia decide se pode ser interessante adicionar ainda mais alunos por turma com o financiamento próprio, explica.
Risco de inadimplência
A possibilidade de ampliar a oferta de crédito para suprir o buraco deixado pelo Fies acaba esbarrando numa das preocupações entre analistas do setor: a inadimplência. No Fies, os pagamentos atrasados há mais de 360 dias atingiram 23,66% dos contratos em fase de amortização do programa em 2014, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).
Para evitar índices como esse, o setor corre para desenvolver métodos para análise e definições de política de crédito e estão criando ainda áreas de cobrança. “Se houver um processo de avaliação adequado, se houver um processo de cobrança adequado, o risco de inadimplência, eu acredito, será muito menor”, diz Diniz, da Ser Educacional.
Gibbon considera que as companhias já têm bastante conhecimento sobre o comportamento financeiro dos alunos quando eles já estão estudando, mas o desafio é conseguir mensurar o risco para aqueles que estão se matriculando pela primeira vez. “As empresas estão correndo atrás desse know-how de cobrança e risco”, diz.
Na Kroton, a busca por esse tipo de conhecimento envolveu a compilação de uma base estatística de todos os alunos da empresa. De acordo com Abreu, hoje a companhia consegue saber, por exemplo a taxa de evasão para cada perfil de aluno em cada curso e região. Esse é um critério importante porque, entre os alunos que evadem, os calotes são muito mais frequentes.
Por outro lado, o financiamento pode até ajudar a impedir que alunos com problemas financeiros evadam. Para Diniz, da Ser Educacional, a disposição das companhias a assumir algum risco de crédito se justifica em razão de outros benefícios que o financiamento pode trazer. “As empresas estão tendo que avaliar até que ponto o financiamento vai contribuir para reduzir a inadimplência e a evasão. Aí teremos uma medida do nível de risco que podemos incorrer”, resume.