Cem anos depois da gripe espanhola, o mundo continua “muito vulnerável” a emergências de saúde O alerta é do novo diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus. Ele assumiu o cargo há sete meses, mas apenas nesta quarta-feira, 7, concedeu em Genebra sua primeira entrevista coletiva. Em pouco mais de uma hora, repetiu de forma insistente que o cenário internacional é de “vulnerabilidade”.
Ele admite que sua entidade ainda não está 100% pronta para lidar com uma eventual nova pandemia e anunciou que quer criar uma força internacional de milhares de funcionários, médicos e enfermeiras que possam ser despachados para frear um surto caso ecloda uma nova emergência.
“Estamos muito vulneráveis. A segurança na saúde é a mais difícil”, afirmou Tedros, que espera que cerca de 50 governos indiquem até maio quantas pessoas poderiam fornecer para esta força internacional. Tedros, ex-chanceler da Etiópia, afirmou que emergências passaram a fazer parte das prioridades da entidade.
“Se algo ocorrer, nenhum país pode fazer as coisas sozinho”, disse. “Precisamos ter exército de saúde para que os países com condições possam ajudar”, explicou. “Uma força de reserva que possa agir, mas também treinar funcionários locais é o que eu quero implementar”, insistiu.
Por seus cálculos, obter o compromisso de 50 países de que colocariam à disposição seus funcionários da área de saúde para uma emergência internacional já criaria um exército de “milhares de pessoas”. “A capacidade do mundo é enorme. Temos de mapear isso”, explicou.
Tedros apontou que enviou uma carta a todos os governos pedindo que ofereceram seus funcionários e contou que, em alguns casos, recebeu respostas de que essa força poderia ser despachada em 48 horas. “É pela solidariedade que a próxima epidemia pode ser controlada”, disse. “Há cem anos, a gripe espanhola matou mais que a Primeira Guerra Mundial. Hoje, ainda estamos muito vulneráveis e por isso temos de estar atentos a emergências”, disse.
Segundo o novo diretor, essa força internacional ainda teria de realizar simulações, no mesmo estilo que exércitos fazem exercícios militares.
Dentro da OMS, ele passou a realizar reuniões diárias para avaliar surtos pelo mundo e um Conselho de Segurança de Saúde foi criado. “Emergências passaram a ser um assunto diário. Não podemos dar chance para um susto”, insistiu. “Estamos incrementando nossa capacidade de resposta”, disse.
Diariamente, ele agora recebe um informe global com todos os surtos e problemas no mundo, incluindo a febre amarela no Brasil. Antes, segundo ele, o informe era apenas semanal.
Na avaliação de Tedros, a OMS “ainda não está pronta”. Mas destacou que sua entidade conseguiu agir para controlar a praga em Madagascar, surtos em Uganda e a cólera em Mianmar. “Estamos ligados 24 horas por dia, sete dias por semana. Não podemos deixar vácuo. Não era assim antes. Temos um acompanhamento em tempo real”, insistiu.
Em sua avaliação, as emergências pelo mundo têm mostrado padrões preocupantes. “A praga na África neste ano se comportou de forma perigosa. Começou antes do período de transmissão tradicional e em novos locais. Foi mais fatal e agora sabemos que existe um maior estoque de bactérias no mundo”, disse, alertando que a crise pode se espalhar para outros países.
Outra realidade é a resistência de vetores. “Isso também é uma ameaça e a situação é séria”, afirmou.
Tedros, porém, insistiu que a forma mais eficiente de ligar com o risco de emergências é investir em prevenção e cobertura universal. “O que vemos muito é queda de recursos nessas áreas”, alertou. “Estamos vulneráveis e devemos usar o que temos de forma mais eficiente”, disse.
“No longo prazo, temos de criar condições em cada um dos países, fortalecendo a saúde em cada país, prevenção e cobertura universal”, indicou. “Ninguém está seguro até que todos estejamos seguros”, disse.
Credibilidade
Apesar de seus planos, Tedros iniciou seu mandato com uma crise de credibilidade ao escolher Robert Mugabe, polêmico ditador do Zimbábue, como embaixador para a tuberculose. A reação internacional diante do anúncio o levou a cancelar a escolha.
“Foi uma decisão foi tomada em boa fé”, garantiu. “Alguns países indicaram que seria bom se ele fosse indicado, principalmente na África. Ele mostrou forte compromisso com o assunto”, justificou.
Tedros ainda alegou que, apesar de o anúncio ter sido feito, a burocracia não havia completado a documentação necessária e, portanto, a escolha não era “oficial”. “Lamentamos”, disse, qualificando a reação internacional de “emocional”.
O etíope, porém, disse que “prefere construir pontes”. “Confrontação e ódio não ajudam. Estou verdadeiramente preocupado com o mundo hoje”, completou.