O vazamento de uma carta privada de um grupo de cardeais para o papa Francisco tornou público o conflito na Igreja sobre mudanças na doutrina em relação à família. “O consenso é que alguma coisa tem de mudar, mas nem tudo pode mudar.” Esta frase teria sido proferida por um dos 270 bispos e cardeais da Igreja, reunidos no Sínodo sobre a Família, no Vaticano.

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O que devia ser uma questão interna veio a público quando o vaticanista Sandro Magister – que antecipara o texto da encíclica Laudato Si’, em junho – divulgou o conteúdo de uma correspondência assinada por 13 cardeais, em que manifestam ao pontífice a preocupação com a forma como o encontro seria conduzido, frisando o fato de a comissão redatora do documento final não ter sido escolhida mediante eleição, mas por nomeação, dando a entender que os mais progressistas exerceriam maior influência nas decisões do Sínodo.

“É um novo Vatileaks. Uma carta privada pertence ao papa. Como pode ser publicada?”, questionou o alemão Gerhard Ludwig Müller, chefe da Congregação para a Doutrina da Fé. Vatileaks é como ficou conhecido o vazamento da correspondência de Bento XVI, em 2012.

Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, o padre Federico Lombardi esclareceu que a carta era “reservada” e o que foi publicado “não corresponde nem no texto nem nas assinaturas” ao que foi levado ao papa. Ao menos quatro cardeais – Angelo Scola, André Vingt-Trois, Mauro Piacenza e Péter Erdö -, citados na versão publicada, desmentiram ser signatários.

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Já o conservador George Pell, titular da Secretaria de Economia, disse que assinou a carta, mas observou que o conteúdo divulgado “não corresponde”. A carta publicada pelo jornalista adverte que o atual sínodo “enevoa” o ensinamento sobre o matrimônio, ao falar de acesso a sacramentos para divorciados, e há risco de a Igreja Católica enveredar pelo caminho protestante “liberal”. O sul-africano Fox Napier também admitiu a existência da carta, mas disse retirar sua assinatura, ao ver o texto divulgado. O texto é datado do dia 5, o que explicaria uma frase do papa aos padres sinodais que não havia ficado clara. Francisco falou em “hermenêutica da conspiração” e pediu confiança “entre uns e outros”.

Repercussão

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“Isso é algo comum dentro da Igreja: que um bispo ou um grupo envie uma correspondência ao papa, de forma privada, sobre algumas coisas que eles não consideram bem encaminhadas”, comenta Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Em termos eclesiais, seria preocupante se as críticas tivessem sido feitas de forma pública.” Sobre a oposição a Francisco, diz que “isso já era esperado”. “O problema é onde a coisa vai terminar. Há dois grupos reacionários às mudanças: os conservadores e os ultraprogressistas. Ambos acabam minando a possibilidade de mudança gradual e segura em questões da Igreja.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.