São Paulo, 11 de abril de 2005. Conforme pudemos observar, nos últimos meses, o Governo Federal bateu recordes de licenciamentos ambientais emitidos, como uma reação às pressões da sociedade civil e também do setor econômico brasileiro, que vivem ainda um gargalo burocrático não solucionado, em que pesam os esforços anunciados.

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Vale dizer, o Governo tem apenas reagido paliativamente à pressão na ponta do funil das demandas ambientais na nossa economia, sem, no entanto, adotar medidas estruturais visando à solução do problema.

Há uma falta de clareza nos rumos de nossa política ambiental, seja pelo Ministério do Meio Ambiente, que, até agora, não se impôs no cenário estratégico administrado pelo núcleo do executivo federal, ou pelo comando do Governo Federal ao demonstrar insegurança quanto ao efetivo papel da variável ambiental no planejamento de suas políticas, planos e programas.

Tamanha indefinição reflete-se sobre a devida obediência às regras legais, por parte dos órgãos de planejamento das políticas governamentais, que não definem o ?como proceder? e o ?como interpretar?, necessários à condução dos projetos de interesse estrutural do País. A omissão expõe os servidores encarregados de implementar obras e projetos de impacto ambiental, o Ibama, as agências de controle ambiental estaduais e mesmo autoridades municipais, a pressões de toda ordem, principalmente por não se ter uma orientação segura no entendimento da nossa legislação ambiental.

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O Ibama, por exemplo, está sofrendo pressão constante para licenciar obras e atividades antes autorizadas pelos órgãos estaduais. Municípios encontram dificuldades de assumir sua competência territorial para fiscalizar e licenciar empreendimentos, face a conflitos com autoridades estaduais e com o Ibama.

Em reação à celeuma acima apontada, surge uma campanha, conduzida por setores do Ministério Público Brasileiro, e admitida por parcela do Judiciário, para federalizar conflitos de licenciamento, como se uma reação de escape dessa natureza não desgastasse, mais ainda, as bases estruturais de nosso sistema de controle ambiental.

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Tudo isso acontece por falta de uma lei complementar que ponha fim tanto a esses desentendimentos quanto a normas de co-operação entre entes federados, vácuo legal que fragiliza o atual Sisnama (Sistema Nacional de Meio Ambiente) e faz surgir posições radicalizadas quanto à aplicação da norma constitucional.

No bojo do próprio Sisnama, a par de suas fragilidades estruturais, contraditoriamente, identificamos atividade normativa frenética que evolui para verdadeira febre ?legisferante?, que acomete o Conama Conselho Nacional de Meio Ambiente – e os vários órgãos de regulamentação setoriais e regionais, permitindo edições de portarias, circulares e resoluções de validade jurídica questionável e efetividade duvidosa.

Na verdade, há nesse campo uma inversão do princípio da reserva legal constitucional: para os organismos de gestão pública ambiental, tudo é permitido quando não há proibição expressa na lei…

Sob o ponto de vista psicológico, há uma clara tentativa do sistema de compensar o fracasso material em barrar a degradação ambiental, com um ?Tsunami? de medidas emocionais traduzidas em mais papel, criando um horizonte formal, fictício, que não corresponde à dura realidade que o sistema, por não poder resolvê-la, nega-se a ver: uma sublimação com efeitos burocráticos!

Sob o manto da ?precaução? ambientalista, estamos construindo um ambiente normativo e comportamental público, que conspira contra a continuidade do Estado Democrático de Direito.

É preciso uma revisão absoluta da Legislação Ambiental Brasileira, pois a atual não está estruturada num sistema que atenda à demanda ambiental nacional, por não respeitar as diferenças regionais e o regime federativo constitucional.

Um exemplo disso é a existência de um único Código Florestal, emendado e remendado, que se pretende válido para os mais diversos biomas…

Pior ainda: grande parte das molas-mestras da gestão ambiental brasileira estão, hoje, sendo construídas por meras resoluções do Conama Conselho Nacional do Meio Ambiente, que, difuso quanto à sua composição política ou técnica, peca pela falta de qualidade científica, pela pouca representatividade e, não raro, revela em muitas de suas decisões ordinárias, falta de compromisso técnico com os próprios órgãos governamentais que deveria conduzir (muitas vezes por apego ideológico a ideais doutrinários invocados em clima de assembléia estudantil, em manobras procrastinatórias ocasionais e apaixonadas).

Seria necessário que se estabelecessem normas de cooperação entre os entes federados como determina o artigo 23 da Constituição Federal, posto que a matéria ambiental é de competência administrativa comum a todos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Deveríamos, por outro lado, estabelecer uma regra com relação ao que é uma norma geral e o que é uma norma específica, de maneira a não se confundir, por exemplo, limites e metragens de faixas de preservação, índices de concentração de poluentes e de qualidade ambiental, que podem emanar de normas estaduais, com os institutos nos quais eles se originam – matéria que compete ao âmbito das normas gerais federais.

Dentro desse emaranhado legal em vigor, devemos reconhecer, o que ainda se salva é o esqueleto original da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e a Lei de Crimes Ambientais (devidamente moldada pela jurisprudência). Os problemas advindos da aplicação da legislação ambiental devem-se menos a essas leis e mais às indefinições das demais regras baixadas nos últimos trinta anos.

Patente que devemos somar esforços para consolidar tudo isso, ou iniciar um esforço de revisão e reforma legislativa, de forma sistemática.

A última tentativa de fazer uma consolidação de leis ambientais foi há 13 anos, por meio de uma iniciativa do presidente Collor de Mello. Na ocasião, a Ordem dos Advogados do Brasil organizou uma comissão interdisciplinar, que tive a honra de presidir em parceria com o Promotor de Justiça Paulista Antônio Herman Benjamim, que formulou uma proposta de consolidação de leis, com aproximadamente 400 artigos, enviada à Presidência da República às vésperas da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento de Meio Ambiente (Eco-92).

Outra proposta de uma Lei Complementar instituindo uma nova Política Nacional Meio Ambiente, contendo as desejadas normas de cooperação, foi apresentada também ao Governo Federal no ano de 1992, resultado de um trabalho intensivo de uma Comissão Especial do Consema Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo a qual também tive a honra de presidir, como representante da OAB naquele colegiado.

Em 1993, foi elaborada e apresentada uma nova proposta, batizada de ?Código Nacional de Meio Ambiente? e produzida por uma comissão oficial de juristas e técnicos, presidida pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente, Edis Milaré, Comissão nomeada por Decreto do Governador do Estado de São Paulo com o apoio do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Essa comissão, que também tive a honra de integrar, elaborou uma proposta em parte inspirada nos documentos anteriormente citados (conforme reconheciam os considerandos do Decreto Estadual que a criou). O resultado, no entanto, foi dos mais profícuos, pois, embora não tenha o Governo Federal, na ocasião, adotado a proposta como um Projeto de Lei, no decorrer dos anos seguintes, foram do ?Código? destacados capítulos, que acabaram por constituir diplomas legais autônomos hoje em vigor exemplo maior é a própria Lei 9.605/98 Lei de Crimes Ambientais e Infrações Administrativas contra o Meio Ambiente.

Recentemente, a Consolidação das Leis Ambientais foi encaminhada como projeto de lei pelo Deputado Federal Bonifácio Andrada (PSDB/MG), e, atualmente, encontra-se em análise no Congresso Nacional. O conteúdo do PL e a oportunidade do processo legislativo são suficientes para fazer uma legislação enxuta e excelente.

O esforço para uma consolidação, ou uma revisão legislativa eficaz e corajosa, URGE!

O grande embaraço, que impede a reformulação de nossa legislação ambiental, encontra-se na previsível reação dos setores retrógrados do movimento ambientalista e dos tecno-burocratas encastelados no Poder Público, que preferem manter os entraves burocráticos que arriscarem-se a perder poder ou ver a norma flexibilizada em uma reforma…

Quanto mais tempo o Brasil adiar a reformulação da legislação ambiental, maior será o prejuízo para a economia e para o Estado Democrático de Direito.

Antônio Fernando Pinheiro Pedro, advogado e consultor ambiental, foi criador da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP, presidiu a Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas e foi secretário do Verde e do Meio Ambiente do Município de São Paulo.

É sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados.