Nos últimos 25 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permitiu diversos avanços na proteção da infância no Brasil, da redução da mortalidade até cinco anos à inclusão de mais crianças na escola. Não conseguiu, no entanto, fazer com que os jovens deixassem de ser o alvo principal das mortes violentas no País – ao contrário. Dados levantados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, na sigla em inglês) mostram que, entre 1990 e 2013, o número de assassinatos de crianças e adolescentes até 19 anos passou de 5 mil para 10,5 mil por ano – 28 por dia.
Dos adolescentes que morrem por causas externas, 36% são assassinados, mas de sete vezes o índice da população em geral e um número que transforma o Brasil em vice-campeão mundial no assassinato de jovens – perde apenas para a Nigéria.
“O Brasil não tem conseguido impedir o alarmante crescimento de assassinatos dos seus adolescentes”, diz o relatório do Unicef feito em comemoração aos 25 anos do estatuto, que tem entre suas previsões a garantia à vida. “No entanto, após a aprovação dessa lei, o número de homicídios de brasileiros até 19 anos dobrou.”
Os jovens mortos têm cor, gênero, classe social e endereço: são pobres, moram na periferia das grandes cidades, são homens e negros. Ser homem aumenta em 12 vezes a chance de um adolescente ser assassinado. Os negros morrem quase quatro vezes mais do que os brancos.
“Cerca de 42 mil adolescentes brasileiros poderão ser assassinados entre 2013 e 2019 ser as condições atuais do País prevalecerem”, diz o relatório.
O Unicef defende que a culpabilização dos adolescentes, verificada nas proposta de redução da maioridade penal aprovada pela Câmara dos Deputados, é um retrocesso que não vai resolver o problema da violência no Brasil, mas, sim, agravá-lo.
“O sistema penitenciário adulto brasileiro é mundialmente conhecido por seus graves problemas”, lembra o relatório. “Nesse sistema, os adolescentes estarão expostos às facções do crime organizado e às precárias condições do sistema prisional brasileiro.”
O relatório elogia a criação os avanços trazidos pelo ECA na punição de jovens infratores dentro de parâmetros adequados à idade. No entanto, lembra que muitas das medidas não funcionam porque até hoje o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) não foi implementado adequadamente, com unidades de internação superlotadas e em condições insalubres, falta de projetos pedagógicos e o uso de internação, que deveria ser uma medida extrema, como padrão.
“Em 2012, 30 adolescentes morreram em unidades de internação”, informa o estudo, mostrando o que é classificado de “fragilidade da implementação do sistema”.
Depois de 25 anos, analisa o Unicef, o ECA permitiu e ajudou o avanço em diversas áreas de proteção da infância. Superou as metas de redução de mortalidade infantil, chegou próximo de assegurar a matrícula de 100% das crianças no ensino fundamental, garantiu a vacinação, o atendimento à saúde, o acesso à alimentação com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e programas como o Bolsa Família.
Ainda assim, o sistema de proteção não alcança grupos consideráveis de crianças, especialmente as indígenas, destacadas no relatório como o grupo onde a mortalidade infantil, a desnutrição, a falta de registro e de acesso à escola ainda é muito maior do que o aceitável.