Brasil assume posição de confronto com os EUA

Brasília

– Analistas internacionais garantem que Brasil e Estados Unidos iniciam novo período de confronto, verificado nas recentes trocas de farpas entre representantes dos governos americano e brasileiro. Os dois países estão em lados opostos nas principais questões atuais, como a comercial e o Iraque.

Ninguém acredita que haja rompimento, até porque há muitos interesses em jogo nos dois lados. Mas a disputa entre os dois países vai ficar cada vez mais tensa. O cientista político Octavio Amorim Neto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), afirma que “as coisas ficarão mais difíceis”. Ele acredita que para provar que ainda é de esquerda e que fará um governo de esquerda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai tentar ousar na política internacional.

É dentro desse raciocínio que se enquadra a ida de Lula a Cuba, na próxima semana, apesar de algumas alas do governo serem contra. A viagem de Lula a Cuba será de dois dias, na sexta-feira e no sábado, na última etapa de uma viagem que começa hoje à noite em Nova York. Nos Estados Unidos, Lula vai abrir a Assembléia Geral da ONU e participar de um seminário sobre combate ao terrorismo, antes de uma rápida passagem pela Cidade do México. Apesar de Lula participar de várias solenidades com outros chefes de Estado, o programa preliminar não prevê encontro formal com o presidente americano, George W. Bush.

As diferenças começaram com o telefonema de Bush a Lula, há duas semanas, pedindo a cooperação do Brasil na reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún. Em vez de cooperar, Lula respondeu que a agricultura, área sensível aos americanos, era muito importante para o Brasil. Com o fracasso da reunião, o subsecretário de Estado americano para o Hemisfério Ocidental, Roger Noriega, criticou a atuação brasileira e disse que o resultado negativo impede a criação da Alca no prazo de 2005. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, evitou um confronto direto e disse que qualquer assunto entre os dois países seria tratado no encontro que ele terá na semana que vem com o secretário de Estado, Colin Powell.

Orgulho

No entanto, em um longo discurso na cerimônia de formatura de novos diplomatas no Instituto Rio Branco, na quinta-feira, Amorim disse se sentir orgulhoso de pertencer a um governo que “em poucos meses soube imprimir um dinamismo sem precedentes à política externa brasileira”. Sobre a atuação brasileira em Cancún, disse que era preciso trabalhar para melhorar as condições de comércio internacional. “Não podemos aceitar regras feitas sob medida para os países ricos, ou que consagram subsídios escandalosos e outras barreiras injustificáveis”, afirmou.

Confiança

Lula, na mesma solenidade, disse que os novos diplomatas se formavam “num momento de mudanças, em que o Brasil se afirma com crescente desenvoltura e confiança perante o mundo”. No mesmo dia, o ministro da Defesa, José Viegas, confirmou que os Estados Unidos pediram, e o Brasil negou, o envio de tropas brasileiras para o Iraque.

Segundo o professor de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Antônio Carlos Peixoto, o pedido de tropas brasileiras foi um teste dos Estados Unidos. “Foi uma insensatez do governo americano”, avalia. Peixoto diz que a diplomacia brasileira retoma o papel ativo que já teve nos anos 60 e 70, quando o Brasil “assumiu posturas corajosas” e contrárias aos interesses dos Estados Unidos, como o restabelecimento de relações com a China e o reconhecimento da independência de Angola e que foi esquecido nas duas décadas seguintes.

Além da posição firme em relação aos interesses comerciais do Brasil e de outros países em desenvolvimento, ele cita o oferecimento do território brasileiro para uma negociação das Farc com a ONU como uma prova de que o país está sendo reconhecido como um ator importante no cenário internacional, desta vez tentando organizar a resistência da América do Sul como contraponto à hegemonia americana. “Agora com o governo Lula voltou à tona a questão do interesse nacional, que havia ficado de lado com a globalização”, afirma.

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