Marcelo Vieira Salles estava deitado quando o telefone tocou às 2 horas da madrugada. “Comandante, tem um incêndio grave aqui no centro.” Do outro lado da linha estava o tenente-coronel Max Mena, do Corpo de Bombeiros. O fogo tomava conta do Edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo. O comandante apanhou o carro da mulher e foi ver o que acontecia.
No meio do caminho, recebeu outro telefonema: “Salles, o prédio caiu e a informação é de que temos seis bombeiros embaixo. Daí veio na minha cabeça o World Trade Center. Aquilo me deu uma sensação tão ruim”, disse.
A morte dos bombeiros não se confirmou, mas o primeiro grande choque de seu comando fez Salles chegar a uma conclusão: o Corpo de Bombeiros tem de ter o direito de multar e interditar prédios em desacordo com as normas de segurança. Leia, a seguir, trechos de entrevista do comandante concedida ao jornal O Estado de S. Paulo.
Diante do caso do Edifício Wilton Paes de Almeida, o senhor acha que o Corpo de Bombeiros deve multar e interditar prédios?
No dia do incêndio, cheguei lá às 3 horas e fiquei até as 11 horas. Sim, eu acredito que é preciso dar mais responsabilidade aos Bombeiros. O prédio em que eu moro tem o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). Já que eles têm esse controle e são responsáveis por essa expedição e por atuar em caso de sinistro, eu tenho certeza de que eles devem ter sim o poder de interdição (há quatro anos a Assembleia Legislativa aprovou lei que dá aos bombeiros o direito de multar prédios irregulares, mas ela ainda não foi regulamentada).
O senhor acha que dão a obrigação, mas não a ferramenta para os bombeiros desempenharem sua função?
Isso. Essas vistorias, por meio do plano de intervenção dos bombeiros, para ver os riscos potenciais, são feitas. Tem de interditar? Sim. Mas há um problema social terrível: é preciso também ver o que fazer com os moradores. A situação deles não é simples.
Outro desafio a enfrentar é melhorar o controle do uso de força letal pela PM. Em 2017, houve cerca de 900 mortes, maior número do século. É possível reduzir a letalidade?
Primeiro, a opção do confronto é do infrator. Mas creio que é possível diminuir a letalidade. Nosso policial se sente compelido a atuar, mesmo de folga. O que fizemos na zona oeste: dissemos aos policiais que deviam pedir apoio antes de agir, isolar o local e conter a crise, que usassem escudo balístico e armas não letais. É preciso negociar. Incentivamos o uso progressivo da força é fundamental. Já pedi ao Estado-Maior a aquisição de armas não letais, como as tasers.
Quando alguém fala para o senhor que a polícia tem de matar bandido, o que o senhor acha?
Tive uma discussão uma vez por causa disso. A pessoa me disse: ‘Vocês tem de matar”. Policial não é carrasco. Essa missão não é da polícia. Eu disse: ‘Você vai pagar advogado para mim, vai a júri comigo, ou você está terceirizando a responsabilidade?’. Pega uma notícia e veja os comentários embaixo: morreu pouco. Como se nós fôssemos pessoas de segunda categoria. A nossa tropa é vocacionada, mas por vezes ela é bombardeada por pessoas que não têm compromisso algum e comenta isso como se fosse um jogo de futebol. A gente tem de conversar com a tropa também para tentar blindá-la dessas mensagens.
A PM deve ampliar suas funções. A patrulha rural e a polícia rodoviária vão passar a fazer termos circunstanciados (TC), que substitui os flagrantes em casos de crimes de menores?
Isso é uma tendência mundial. Santa Catarina tem uma experiência interessante nesse sentido. Defendo tudo o que puder melhorar a prestação de serviço ao cidadão. Nesse caso, ninguém vai precisar se deslocar quilômetros para registrar o caso. Na Rodoviária e na Ambiental já fazemos o BO eletrônico. Agora estamos preparando para o TC. Para mim, o ideal seria o processo sumaríssimo. No futuro, devíamos aproveitar as audiências de custódia e fazer a instrução do processo na hora, julgar ali, dando uma resposta rápida quando não há dúvida da autoria e da materialidade do crime. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.