O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira, 22, que quer acesso aos dados de desmatamento da Amazônia antes de eles serem divulgados para não ser “pego de calças curtas”. Ele criticou o que considera uma quebra de “hierarquia e disciplina” e voltou a dizer que a divulgação das informações pode causar um “enorme estrago para o Brasil”. Os dados, porém, já são divulgados pelo órgão de monitoramento, o Inpe, em tempo real para o governo, para orientar as ações de fiscalização, e ficam disponíveis na internet.

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A declaração foi dada em meio a uma série de críticas que o presidente tem feito desde sexta-feira ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e responsável, entre outras coisas, por monitorar o desmatamento na Amazônia e oferecer a taxa oficial de perda anual da floresta.

Na sexta, Bolsonaro disse à imprensa estrangeira que os dados que vêm mostrando alta no desmatamento são “mentirosos” e o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, está “a serviço de alguma ONG”. A manifestação ocorreu em razão de reportagens que, citando dados do instituto, apontaram para alta de 88% no desmate em junho, ante o mesmo mês do ano anterior.

No sábado, Galvão disse ao jornal O Estado de S. Paulo considerar a atitude do presidente “pusilânime e covarde”. Para ele, Bolsonaro fez comentários “sem nenhum embasamento” e “ataques inaceitáveis”. Entidades científicas e pesquisadores do setor também têm criticado a falta de base técnica nos questionamentos do presidente (mais informações nesta página).

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Nesta segunda, Bolsonaro cobrou acesso prévio às estatísticas de desmatamento. “Pode divulgar os dados, mas tem de passar para as autoridades. Não posso ser surpreendido por uma informação tão importante como essa daí. Não posso ser pego de calças curtas. As informações têm de chegar ao nosso conhecimento de modo que a gente possa tomar decisões precisas em cima dessas informações e não ser surpreendido”, afirmou, ao ser questionado sobre se tinha intenção de reter os dados.

Segundo ele, é necessário que os dados passem primeiro pelo ministro da Ciência, Marcos Pontes. “Não pode ir na ponta da linha alguém simplesmente divulgar esses dados. Porque pode haver um equívoco. E nesse caso, como divulgou, há enorme estrago para o Brasil. A questão ambiental, o mundo todo leva em conta”, disse em relação ao acordo Mercosul-União Europeia e a acordos bilaterais. A agenda ambiental do presidente tem sido alvo de atenção internacional. Em junho, a chanceler alemã, Angela Merkel, disse que gostaria de ter uma “conversa clara” com Bolsonaro sobre perdas na Amazônia.

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“O chefe do Inpe será ouvido pelos ministros, para conversar com ele, para que isso não continue acontecendo”, disse. “É o mesmo que um cabo passar uma notícia sem passar pelo capitão, coronel ou brigadeiro.”

Mais cedo, Marcos Pontes já havia endossado o chefe. Em nota, disse que compartilha a “estranheza” de Bolsonaro quanto à variação dos dados e pediu um “relatório técnico completo” sobre os últimos dois anos de análises. Também afirmou que convidou Galvão para “esclarecimentos e orientações”.

A reportagem apurou que uma das possibilidade avaliadas pelo ministério é uma demissão por justa causa, caso se considere que Galvão agiu para prejudicar a imagem do Brasil. O pesquisador tomou posse no Inpe em setembro de 2016 para um mandato de quatro anos.

Dados públicos

Procurado pela reportagem nesta segunda-feira, o diretor do Inpe voltou a dizer que “não existe isso de divulgarmos os dados”. Eles são apresentados de modo transparente no site Terrabrasilis, do Inpe, depois que são encaminhados ao Ibama.

“Mandamos os dados do Deter (sistema de detecção em tempo real) para o Ibama. Os dados do Prodes (sistema que aponta a taxa anual, e oficial, de desmatamento) são sempre mandadas com antecedência ao ministério antes de divulgação. Os dados de junho mesmo foram mandados uma semana antes. Estranho dizerem que não avisamos”, afirmou Galvão. “Além disso, temos de cumprir a Lei de Acesso à Informação”, disse.

“E é ingenuidade supor que se pode esconder esses dados. Os satélites estão todos em cima. Não tem como embargar”, afirmou Galvão.

Monitoramento

A comunidade científica do Brasil e especialistas em sensoriamento remoto e avaliação do desmatamento vem se manifestando desde domingo em defesa dos dados divulgados pelo Inpe. E da transparência dessa informação como a melhor forma de combater o problema.

“Os dados do Inpe são respeitados e inquestionáveis. É consenso na comunidade internacional de que o sistema de monitoramento da Amazônia é de excelência”, comentou o pesquisador Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe (entre 2006 e 2013) e hoje diretor do secretariado do Grupo de Observações da Terra. O GEO é um organismo intergovernamental, ligado às Nações Unidas, de uso de dados de observação da Terra para monitoramento das condições do planeta. Basicamente todo mundo que trabalha com imagens de satélites está reunido ali. “O respeito a essas informações se dá justamente porque são abertas e podem ser checadas por outras instituições internacionais.”

O pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas, que trabalha com sensoriamento remoto, lembra que houve tentativas de outros presidentes de controlar a regularidade de publicação dos dados do Inpe em momentos de crise. “Nos anos 1990 e até o início dos anos 2000, a divulgação dos dados era mais restritiva. Passavam pela presidência e, inclusive, pela área militar do governo. É uma queda de braço que não é inédita”, afirma.

“Mas hoje o Inpe é reconhecido internacionalmente como fonte confiável de dados por causa de sua transparência”, diz o cientista. Para ele, levar a medida adiante é jogar fora um trabalho de décadas. “Como consequência, o mercado buscará outras fontes de dados produzidas por ONGs ou instituições estrangeiras poderão se tornar o novo parâmetro para julgar o desmatamento no Brasil.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.