O bispo emérito de Barra do Piraí e Volta Redonda, no sul fluminense, dom Waldyr Calheiros, que teve papel decisivo na luta contra a ditadura militar (1964-1985), morreu no sábado, 30, aos 90 anos. Com uma trajetória marcada pelo envolvimento em causas sociais e pela defesa intransigente dos direitos humanos, ele foi ameaçado e perseguido por militares, mas não se calou.
D. Waldyr foi o autor da denúncia que resultou na punição dos responsáveis pela morte sob tortura de quatro soldados em um batalhão do Exército em Barra Mansa, em 1972, e destacou-se como um dos personagens centrais na histórica greve da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em que três operários foram mortos por militares, em 1988.
Ele estava internado com infecção pulmonar desde o início de novembro e morreu por causa da falência múltipla dos órgãos. Cerca de 5 mil pessoas acompanharam ontem, 2, a missa de corpo presente em Volta Redonda, onde ele era conhecido como “bispo de sangue”. Estava prevista uma procissão até a Igreja Santa Cecília, onde o corpo deverá ser sepultado.
Em 12 de setembro, d. Waldyr havia gravado seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV). O papel do bispo no caso dos quatro soldados mortos sob tortura foi revelado pelo historiador americano Kenneth Serbin, autor de uma tese e de livros sobre o tema.
Quando houve o golpe militar, em 1964, d. Waldyr já havia sido nomeado pelo papa como bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio, mas ainda não tinha tomado posse. No dia do golpe, ele não deixou de se manifestar durante uma missa, na presença de militares.
“O que nós assistimos foi um golpe militar. Os militares não querem a reforma agrária e outras reformas que foram anunciadas”, declarou. Dois dias depois, ele recebeu a visita de um secretário do arcebispo, pedindo que não falasse mais de golpe. “Entendi a visita como um recado indireto do cardeal”, disse ele em depoimento para o livro O bispo de Volta Redonda: memórias de Dom Waldyr Calheiros, lançado em 2001 pela Fundação Getúlio Vargas.
Uma das organizadoras do livro, junto com Serbin e Célia Maria Leite Costa, foi a historiadora e cientista política Dulce Pandolfi. Para ela, a punição de militares acusados de tortura e morte no batalhão de Barra Mansa foi um caso único em todo o regime. “Como a Igreja tinha uma ambiguidade em relação ao regime, ele (d. Waldyr) conseguiu uma brecha. Se colocava na linha de frente, tipo ou vai ou racha. Quando pegava uma causa, não dava trégua, teve um papel importantíssimo. Acho até que não teve o destaque que merecia”, diz a historiadora. Os militares acusados no relatório preparado por d. Waldyr – e entregue pela cúpula da Igreja ao general Antonio Carlos Muricy – foram julgados e expulsos do Exército.
Ameaça
Na conversa de mais de 15 horas para o livro da FGV, ele relatou a ameaça que sofreu após a denúncia contra os militares. Soldados e um professor que frequentava a igreja bateram à sua porta durante a madrugada sugerindo que ele não levasse o caso adiante. “Estou com as famílias desoladas dos mortos. Então você quer que não se faça justiça e defende a impunidade? É triste uma religião que protege os poderosos, esquece os pequenos e fracos”, respondeu d. Waldyr.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.