Antes de entrar no assunto que ora me proponho a comentar, registro que, por formação e por ter vivido época que não deixou muita saudade, sou contrário a qualquer forma de censura. Feito este registro, passo ao que interessa.
Aproveitando o final de semana prolongado, resolvi dar uma descida à praia e como estava chovendo, revi alguns trabalhos e me dediquei à leitura. Enquanto isto, deixei a televisão ligada, a fim de observar a programação já que no dia a dia não tenho muito tempo para essa atividade, e o que vi não me agradou.
Mesmo não me detendo nos desenhos animados, cujo público alvo é constituído pelas crianças e pelos adolescentes, não posso deixar de dizer alguma coisa sobre isto. Esses programas trazem grande carga de violência, o que, com certeza, entortará a cabeça da meninada, mesmo que alguns especialistas da área de comportamento humano insistam em dizer o contrário.
O que me levou a escrever sobre o assunto foi a notícia de que no Congresso Nacional existem algumas propostas, no sentido de colocar um paradeiro nesse descalabro que tomou conta dos meios de comunicação eletrônicos do Brasil. Esse descalabro tem como único objetivo os índices de audiência, sem a menor preocupação com a qualidade da programação e muito menos com as conseqüências que possa provocar na sociedade brasileira.
Dois tipos de programas dominam as televisões: os policiais e os religiosos. Os primeiros primam pela grosseria e o mau gosto, onde são desrespeitados, além da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal), os mais comezinhos direitos à privacidade, à intimidade, a vida privada, a honra e à imagem das pessoas garantidos pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso X). A exploração de fatos degradantes, envolvendo os familiares dos personagens, como o caso recente de um pai que utilizava seus dois filhos de quatro anos para a prática de sexo oral, ou dos pais que mataram filhos ou dos filhos que mataram pais, merece ser discutida.
Os comandantes desses programas e suas equipes revelam verdadeiro sadismo, parecendo se deliciarem com o que estão noticiando, sob o manto de que estão denunciando fatos graves, no exercício do direito de informar assegurado à imprensa, conforme inciso IX, do citado artigo 5º, da Carta Magna.
E o pior, não se limitam a veicular as notícias ou comentarem os fatos, repetem à exaustão as reportagens de péssima qualidade. Essas reportagens revelam o despreparo dos repórteres pela imbecilidade e a idiotice das perguntas formuladas, sem qualquer criatividade e que nada esclarecem. A título de exemplos: pergunta-se ao pai que matou o filho como ele se sente após o fato, ou se indaga do filho que matou os pais se ele os amava e o que espera agora de seu futuro, ou, ainda, se o pai, que submetia os filhos aos degradantes atos libidinosos, não achava errado a prática, e assim por diante. Mete-se o microfone na cara das pessoas e quando alguém reage, logo é acusado de criar obstáculos a realização do trabalho jornalístico. Será que se pode aceitar essa forma de abordagem de jornalismo como o exercício da livre expressão e do direito de informar?
O certo é que a exploração dessas mazelas humanas, sem qualquer limite, significa verdadeira banalização da degradação humana e da violência desenfreada. Não acrescenta nada de bom à sociedade, principalmente, às crianças e aos jovens, principal público da televisão.
Não vale o argumento de que esse tipo de programação tem grande aceitação no público consumidor. Não é verdade, o que ocorre é que esses programas são impingidos ao povo. É evidente que, se o povo tivesse realmente condições de influir, as coisas seriam diferentes e, com certeza, seus patrocinadores pensariam duas vezes antes de gastar sua verba de publicidades com essas baixarias.
Aí, quando o Congresso ensaia alguma iniciativa de discutir o assunto, visando adotar providências que possam regulamentar de forma menos danosa a utilização dos meios de comunicação, já que se tratam de concessões do Poder Público, logo vem o protesto, sob o argumento de que se deseja o retorno da censura, o que implicaria em violação de norma constitucional que garante o direito de livre expressão e de informar.
Outro destaque nos meios de comunicação são os programas religiosos, nos quais são realizados milagres por atacado, inclusive por telefone. Aqui também deixo claro que sou a favor da liberdade religiosa, porque entendo que todas as religiões procuram melhorar o homem, além do que essa liberdade é garantida pela Constituição Federal (inciso VI, do artigo 5º). O que chama a atenção é a produção ilimitada de milagres, onde todos os problemas são resolvidos, inclusive, os demônios são exorcizados na frente das câmeras com a maior facilidade, o que revela que o diabo não tem os poderes que imagina, o que até pode ser positivo. No entanto, é difícil engolir que, num passo de mágica, tumores desaparecem em segundos, casos crônicos de saúde são resolvidos de forma simples, sem qualquer complicação, colocando em dúvida os métodos científicos e a medicina em xeque. Basta lembrar que um só pregador ocupa dois canais de televisão em rede nacional, fazendo milagres em dose dupla.
Sua Santidade, o Papa João Paulo II, que, durante seu Pontificado, anunciou vários santos novos, como ocorreu no final de semana na Espanha, quando anunciou mais cinco santos, se surpreenderia ou se frustraria se assistisse esses programas, com a competência demonstrada por seus comandantes em realizar tantos milagres. Com certeza, sentir-se-ia com complexo de inferioridade. Talvez até se sentisse meio desamparado pelo Pai Eterno que não lhe tem permitido realizar alguns milagres importantes para a humanidade, como vem acontecendo com seus esforços pela paz mundial.
Neste campo, é forçoso reconhecer que é muito difícil, até mesmo para um Papa, por mais santo que seja, alcançar algum sucesso na busca da paz com o George Bush, e companhia, em plena atividade.
Para finalizar, fico imaginando o estrago que Jesus Cristo não faria se vivesse em nossa época, tendo à sua disposição os meios de comunicação social e a tecnologia hoje existentes, ele que se comunicava tão bem com seus seguidores e que se dirigia diretamente ao Pai Eterno.
Antônio Dílson Pereira
é advogado e professor de direito.