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Severino festeja com deputados a eleição que surpreendeu o Congresso.

Brasília – O baixo clero, como é conhecido o grupo de deputados sem influência nas principais negociações na Câmara dos Deputados, chegou ao poder na Casa. O novo presidente da Câmara é o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), que disputou o cargo com uma candidatura avulsa, sem apoio oficial de nenhum partido. Pela primeira vez a presidência da Câmara será ocupada por um parlamentar que não é escolhido pelo partido de maior bancada, como manda a tradição. A vitória de Cavalcanti representa a derrota do governo na eleição na Câmara.

Antigo defensor de reivindicações funcionais dos deputados e identificado com as causas corporativas, Severino Cavalcanti foi eleito em segundo turno com 300 votos, 105 a mais do que o candidato oficial do governo e da bancada do PT, a maior da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Cavalcanti chegou ao segundo turno por apenas sete votos, diferença entre ele e o candidato Virgílio Guimarães (PT-MG), o dissidente petista que recebeu 117 votos e ficou em terceiro lugar. No primeiro turno, o primeiro colocado foi Greenhalgh, com 207 votos (12 a mais do que obteve no segundo turno). José Carlos Aleluia (PFL-BA) obteve 53 votos e Jair Bolsonaro (PFL-RJ) ficou com dois votos. Houve três votos em branco e quatro nulos no primeiro turno.

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Em outro fato inédito na Câmara, o maior partido fica sem cargos na Mesa Diretora. Certo de que conseguiria a presidência da Casa, o PT cedeu para o PDT a quarta suplência. Com Greenhalgh derrotado, os petistas acabaram sem cargo.

A votação na Câmara começou às 16h23m de segunda-feira e terminou às 05h40m dessa terça, quando começou a contagem dos votos no segundo turno. Logo no início da apuração, Severino tomou a dianteira e só aumentou sua vantagem sobre Greenhalgh. Por volta de 6h40m, Severino Cavalcanti alcançou o voto de número 250 e garantiu sua eleição. Os parlamentares que o apoiavam comemoraram no plenário com gritos e abraços.

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O novo presidente da Câmara disse na manhã de ontem, em entrevista à Globonews TV, que não é um opositor do governo e nem um "mau brasileiro". Ele afirmou ter as mesmas origens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e garantiu que não fará oposição ao governo. "Eu não vim aqui para ser um mau brasileiro. Tenho que tomar medidas que venham a criar condições para que o presidente da República, que tem a mesma origem que eu tive, possa fazer uma administração excepcional", disse o presidente da Câmara.

Severino Cavalcanti contou ter recebido um telefonema do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, para quem manifestou interesse de dialogar com o presidente Lula. Identificado com o baixo clero e com reivindicações dos parlamentares sobre o funcionamento da Câmara, Severino afirmou:

"Não nego nada do que disse e prometi. Irei cuidar dos deputados, para que possam ter bom desempenho. Não irei fazer mais do que cumprir a Constituição do meu país. Essa é a minha posição, para que os parlamentares se sintam fortalecidos e possam fazer bem o seu trabalho", disse.

A vitória de Cavalcanti deixou os governistas em clima de desolação total. Entre incrédulos e perplexos, os parlamentares do PT e da base foram atropelados pela "onda Severino Cavalcanti", o candidato azarão que superou Greenhalgh ao final de um longo e penoso processo de votação, que durou cerca de 14 horas.

"Derrota foi do governo"

O deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) culpou hoje o governo pela derrota de sua candidatura à presidência da Câmara. "Eu perdi a eleição, mas a derrota é destinada ao governo. O voto que me derrotou foi o voto da insatisfação com o governo pelo tratamento dado aos parlamentares", afirmou. Candidato oficial do PT, Greenhalgh disputou a presidência da Câmara com outros quatro candidatos e era considerado o favorito para substituir o então presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP).

Mas, em uma das eleições mais disputadas dos últimos tempos, os deputados acabaram elegendo Severino Cavalcanti (PP-PE), cuja principal promessa de campanha foi o aumento do salário dos deputados com direito à equiparação com os rendimentos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na votação do primeiro turno, Greenhalgh teve 207 votos; Severino Cavalcanti somou 124 votos; o canditato avulso Virgilio Guimarães (PT-MG) teve 117 votos; José Carlos Aleluia (PFL-BA) contou com 53 votos e Jair Bolsonaro (PFL-RJ), com 2 votos. Votaram em branco três deputados e nulo, outros quatro. No segundo turno, só teve 195 votos –menos que os 207 obtidos no primeiro turno, três horas antes. Já Severino Cavalcanti recebeu 300 votos.

Um recado direto ao Palácio do Planalto

Brasília – Diante do ministro da Casa Civil, José Dirceu, o novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), cujo partido faz parte da base aliada, mandou um recado direto ao governo. Depois de acusar o governo federal de imobilizar o Legislativo com o excesso de medidas provisórias, disse que a Câmara deu uma demonstração clara de que retomará suas prerrogativas e que os pressupostos de relevância e urgência para edição de MPs, exigidos pela Constituição, voltarão a ser observados.

Severino Cavalcanti disse que sua vitória é uma demonstração clara de independência e harmonia entre os poderes da República e afirmou que "está aberto o caminho para as transformações que a sociedade reclama". Segundo ele, chegou um novo tempo para a Câmara, em que os deputados estarão no centro dos debates nacionais. "A mudança na Câmara indica o alvorecer de um novo tempo, muito adiado e muito aguardado", disse Severino.

Em mensagem enviada ao Congresso para a abertura dos trabalhos legislativos deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que as relações entre o governo federal e o Congresso serão "fortalecidas e intensificadas" este ano. A mensagem foi lida pelo primeiro-secretário da Câmara dos Deputados, Inocêncio Oliveira (PMDB-PE).

A mensagem foi entregue aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), pelo chefe da Casa Civil da Presidência da República, ministro José Dirceu. Na mensagem, Lula ressalta ainda que a relação entre o Executivo e o Congresso sempre se pautou pelo "respeito mútuo, constante diálogo com base nos interesses maiores do País." No texto, o presidente também destaca projetos importantes que espera ver implementados ainda neste ano.

Lula: democracia foi preservada

Brasília – O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, foi quem telefonou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está em viagem à Guiana, para informar sobre a derrota do governo na eleição para presidente da Câmara dos Deputados. Segundo Aldo, Lula disse que a democracia no Congresso foi preservada e que cabe ao governo respeitar a decisão dos parlamentares.

Aldo disse que Lula telefonará para o novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), assim como fez com Renan Calheiros (PMDB-AL), eleito presidente do Senado, para cumprimentá-lo pela vitória. O ministro também ressaltou o caráter democrático da eleição e minimizou a derrota do governo.

"A eleição é resultado de um processo democrático. O Congresso é uma instituição democrática e a eleição é resultado da escolha de parlamentares", afirmou. Aldo não quis usar a expressão "traição" para explicar a diferença de votos entre o candidato oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), e Severino Calvalcanti (PP-PE), e não quis culpar as candidaturas avulsas pelo resultado.

"A base foi à reeleição dividida entre três candidatos e a distribuição dos votos explica também o resultado", afirmou. Segundo Aldo, não cabe ao governo julgar nem a escolha dos partidos, nem o voto dos deputados. Ele lembrou que Severino é integrante da base aliada e que foi fiel ao governo em todas as votações. Sobre falhas na coordenação, disse que "o trabalho de coordenação é a integração de todo o governo, de seus ministros, na ação política, já que todos os ministros têm ação politica". "Em função das críticas, procuramos aperfeiçoar nosso trabalho", afirmou.

Aldo Rebelo disse ainda que "na vida política não existe caminho mais fácil, mas o caminho possível e no caminho possível dentro da democracia, no caminho da política, os objetivos do governo devem ser construídos". O ministro ainda filosofou ao citar o poeta russo Vladimir Maiakovski para resumir o dia na Câmara. "Morrer é fácil, difícil é a vida e seu oficío."

Aldo Rebelo visitou o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), na manhã desta terça-feira. Ele disse que telefonou para Severino para cumprimentá-lo, que passou a noite acompanhando a eleição e que ainda não dormiu. Hoje, ele visita os eleitos para a Mesa Diretora do Congresso.

Houve uma imposição, diz FHC

São Paulo – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso condenou a decisão do governo Lula de impor o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) como o candidato oficial do governo para a presidência da Câmara. "A bancada tomou uma decisão de liberdade e nós respeitamos a decisão majoritária. Quem está na chuva se molha e o governo foi limitado. Se a oposição recebeu 300 votos ficou claro que a indicação do governo, não sei optar por qual motivo, não foi bem aceita", afirmou.

Fernando Henrique afirmou que a governabilidade não está ameaçada com a eleição de Severino. Segundo ele, "se tivesse qualquer chance de ingovernabilidade o PSDB não apoiaria jamais". O ex-presidente ainda reprovou a mudança de partido realizada por alguns deputados em cima da hora. Para ele, a atitude é "um desrespeito com a instituição partido político e com o povo".

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que a eleição de Cavalcanti foi resultado do autoritarismo como o governo vem atuando com os partidos políticos. "O episódio reflete a forma autoritária como o governo Lula vem trabalhando para enfraquecer os partidos políticos", disse o governador de São Paulo.

Segundo turno

Haverá segundo turno na disputa por dois cargos da Mesa Diretora. Nesta quarta-feira, às 10h, acontecerá uma nova votação no plenário da Câmara para os cargos de 1.º vice-presidente e para 4.º secretário. A disputa para a vice-presidência ficará entre os dois primeiros colocados no primeiro turno: José Thomaz Nonô (PFL-AL), que teve 194 votos, e César Bandeira (PFL-MA), que recebeu apenas um voto a menos, 193. Edmar Moreira (PL-MG) e João Caldas (PL-AL) disputarão a vaga de 4.º secretário.

Os outros cargos da Mesa Diretora já foram decididos. O PT não conseguiu nenhuma vaga, já que cedeu a quarta suplência para o PDT, confiando numa vitória do candidato Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), derrotado por Severino Cavalcanti (PL-PB). Com 384 votos, Ciro Nogueira (PP-PI) foi eleito 2.º vice-presidente da Mesa. Inocêncio Oliveira (PMDB-PE), com 257 votos, é o 1.º secretário. Nilton Capixaba (PTB-RO) foi eleito 2.º secretário com 416 votos, Eduardo Gomes (PSDB-TO) conquistou, com 407 votos, o cargo de 3.º secretário. Givaldo Carimbão (PSB-AL), Jorge Alberto (PMDB-SE), Geraldo Resende (PPS-MS) e Mário Heringer (PDT-MG) são, respectivamente, suplentes de secretário.