A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recusou no último sábado (16) o pedido de autorização de uso emergencial da vacina russa Sputnik V contra covid-19 porque ele não atendia os critérios mínimos para aprovação da agência, como a condução de ensaios clínicos de fase 3 no país. O pedido de uso emergencial havia sido protocolado na sexta-feira (15) pelo laboratório União Química, que tem acordo com os desenvolvedores da vacina para importação e produção do imunizante no país.
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A recusa gerou mobilização tanto por parte do fundo soberano russo, que apoia o desenvolvimento da Sputnik V, quanto do governo da Bahia, que tem acordo para compra de 50 milhões de doses da vacina. Na última quarta-feira (20), o ministro do STF Ricardo Lewandowski pediu à Anvisa que preste informações sobre a análise em até 72 horas. Segundo a agência, o laboratório protocolou um pedido de autorização de estudo clínico de fase 3 no final do ano passado, mas esses estudos ainda não começaram.
No Paraná, o governador Ratinho Junior (PSD), manteve indefinida na última terça-feira (19), a data para o estado começar a produzir a Sputnik V, a vacina russa da covid-19. Em agosto de 2020, o estado assinou acordo com o Instituto Gamaleya, para que a vacina fosse produzida no Instituto Tecnológico do Paraná (Tecpar). Pelo plano original, o Gamaleya entregaria a documentação à Anvisa em setembro para que já em outubro iniciasse a fase 3 de testes com voluntários paranaenses. Mas nada disso ocorreu.
A autorização para uso emergencial é uma modalidade nova da Anvisa, criada no contexto da pandemia para acelerar a aprovação de vacinas ainda em teste contra a covid e com validade somente enquanto houver a emergência sanitária.
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Mas conduzir os estudos clínicos no país não é a única condicionante exigida. De acordo com a Anvisa, outros requisitos se referem, por exemplo, à autorização de funcionamento (capacidade de produzir ou importar a vacina) da solicitante. A aprovação por outras agências regulatórias pode também pesar.
Em outros países
A questão é que a Sputnik V já tem registro no país de origem, além da autorização para uso emergencial em outros países, incluindo Argentina, Bolívia e Venezuela e, agora, na Hungria, primeiro país da União Europeia a aprovar o imunizante.
Questionada sobre se a aprovação na Argentina não pode embasar a decisão de autorização de uso emergencial no país, a Anvisa disse não ter detalhes sobre como foi feita a aprovação na Argentina e que não pode falar por outras autoridades reguladoras.
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O fundo russo deve também pedir autorização para uso emergencial à agência reguladora mexicana, a Cofepris (Comissão Federal para Proteção contra Riscos Sanitários) nesta semana e, no próximo mês, à agência da União Europeia (EMA).
Segundo as autoridades de saúde do México, houve a troca de documentação com a Argentina, país onde a Sputnik V já foi aplicada em mais de 200 mil pessoas e cuja “Anvisa argentina” autorizou o uso emergencial no dia 23 de dezembro.
Uso emergencial
Os pedidos para autorização de uso emergencial à Anvisa são feitos pelas empresas desenvolvedoras seguindo os mesmos critérios rigorosos e padrões técnicos de comprovação de eficácia e segurança de registros oficiais, mas podem ser feitos enquanto seus estudos ainda não foram terminados.
Também é assim em outros países que tiveram vacinas contra Covid-19 aprovadas para uso emergencial. A FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA) deu aval até o momento para as vacinas da Pfizer e da Moderna, ambas desenvolvidas no país.
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No caso da agência americana, também é condicionada a aprovação a realização de testes no país. Segundo a FDA, a aprovação de vacinas ou medicamentos testados no país é feita seguindo uma avaliação própria dos cientistas da agência, que estabelecem padrões elevados de segurança e farmacovigilância.
A EMA, por outro lado, deu uso condicional para as mesmas vacinas, Pfizer e Moderna, embora no caso da Moderna não estivessem sendo conduzidos estudos na Europa. A legislação europeia, tão rigorosa quanto a americana, exige certificação de boas práticas de fabricação e a análise interina ou final dos ensaios clínicos, demonstrando que o medicamento ou vacina traz mais benefícios do que riscos para o paciente.
Rigor de agências internacionais
Para Mauro Schechter, professor titular de Doenças Infecciosas da UFRJ e de epidemiologia da Universidade de Pittsburgh e da Johns Hopkins University, não há nenhuma razão para a Anvisa não aprovar vacinas que receberam o aval da FDA ou da EMA.
Além disso, como a preparação dos dossiês (o chamado Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamentos) é, em geral, onerosa, pois é necessário muitas vezes traduzir os documentos para português, as empresas não devem apresentar pedidos para agência sem uma eventual chance de venda no país.
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No caso da Sputnik V, diz ele, é possível que seja uma questão de nacionalismo. “A Anvisa possui critérios técnicos rigorosos, mas não é mais rigorosa do que essas agências internacionais. Se as outras agências avaliaram as vacinas e determinaram que são seguras e eficazes, não tem por que a Anvisa não aceitar.”
Em relação à determinação de conduzir testes no país, o pesquisador afirma que embora possa, sim, haver diferenças genéticas entre as populações, é muito difícil que um medicamento ou vacina encontrado como seguro e eficaz em outros países não possa ser aprovado aqui.
“A população brasileira é a mais diversa, e uma vacina testada só em um grupo muito homogêneo pode ter diferença. Mas se ela foi testada, por exemplo, em asiáticos e africanos, não há razão para dizer que não vai funcionar aqui.”
O que diz a Anvisa?
A reportagem solicitou à Anvisa esclarecimentos sobre os pedidos em andamento de uso emergencial. A agência informou que não pode falar sobre pedidos que ainda não foram submetidos, mas que existem quatro companhias que fazem testes de suas vacinas no país: Pfizer, Janssen-Cilag (Johnson & Johnson), Oxford/AstraZeneca e a Sinovac, estas duas últimas já com autorização emergencial.
Sobre os dados faltantes da Sputnik V, a Anvisa disse que os mesmos foram indicados ao laboratório União Química e constam em nota pública divulgada no dia 16 de janeiro. Questionada sobre quais seriam os dados necessários na ausência de testes no país para aprovar uma vacina, a agência disse que os requisitos para o registro de medicamentos são os mesmos independentemente de sua origem.
“Em qualquer situação, a empresa precisará apresentar dados que deem sustentação às alegações de eficácia, segurança e qualidade.”