Atentados do PCC paralisam São Paulo

São Paulo, a cidade que não pode parar parou. Trabalhadores, entre tensos e assustados, tiveram de ir embora mais cedo para casa ou nem saíram dela. O comércio fechou ônibus rarearam, quem pôde tirou o carro das garagens, cinemas e teatros não abriram, bares e restaurantes desistiram de funcionar à noite. E assim a segunda-feira 15 de maio de 2006 passou para a história como o primeiro feriado do PCC, o dia em que o crime derrotou uma cidade. "Este é nosso 11 de Setembro", afirmou a secretária Patrícia Weishaupt Ignez, de 20 anos.

A secretária, que saiu, como milhões de paulistanos mais cedo do trabalho, não acreditava no que via nas ruas. Pessoas indo embora caladas para casa. "É uma cidade em pânico, perplexa e para baixo, um clima muito ruim." O exagero da comparação – São Paulo não é alvo de terroristas – dá a medida da impotência que tomou conta da capital. Num dia em que ela foi dispensada duas horas antes do trabalho, que o pai não parou de ligar de "cinco em cinco minutos" e o primo fechou o comércio por conselho de policiais, Patrícia exibia um imenso ponto de interrogação: e amanhã? "Já avisei que se continuar assim não venho trabalhar."

O fechamento do comércio foi fruto de boatos que viravam a mais vívida realidade na imaginação de comerciantes. São Paulo foi aos poucos parando, transformando a data num feriado, mas sem a alegria de um dia de folga. "Um fechou, todos fecharam, numa reação em cadeia", disse Luís Fernando Martins, dono de uma joalheira no centro. Mais exatamente na Rua Barão de Paranapiacaba, ponto de concentração da ourivesaria da cidade. São 130 lojas, a maioria já fechada a partir das 13h30. "É um feriado negro, mas bandido não pode mandar, temos de resistir."

A poucos metros dali, o relojoeiro João Batista de Oliveira Andrade, de 49 anos, resolveu passar o tempo na feira de rolo que acontecia livremente na Praça da Sé. Se há polícia, o comércio ilegal não ocorre tão às claras, plena luz do dia. Hoje foi diferente. "Está todo mundo fazendo a festa, é o País do deus-dará." Relógios falsificados, roubados e originais estavam sendo negociados a preços entre R$ 20,00 e R$ 70,00. Desde o fim de semana, o posto da Polícia Militar na praça foi desativado. Literalmente. O trailer foi retirado, ficou a plataforma de concreto. "A polícia está agindo errado, porque quem tem autoridade deve mostrá-la."

Na meca do comércio de quinquilharias, a 25 de Março, a polícia abandonou seu posto fixo na esquina da Ladeira Porto Geral com a Rua 25 de Março. Uma guarita de madeira, com símbolo da PM. No lugar havia um ambulante, o "homem-cegonha" que estendeu no chão a lona com meias a R$ 1,00. "Todo mundo está com medo, o único fiscal aqui sou eu", gabou-se Joaquim Sebastião Ribeiro, o Parafuso, de 60 anos, que zela pela calçada do Armarinhos Fernandes e proíbe que ambulante monte ponto ali. "Sou mais respeitado que polícia."

Na única ronda a pé presenciada pela Agência Estado em vários pontos da capital na tarde de ontem, os soldados Jessé, Macedo, Nunes e Marcia recebiam elogios das pessoas. "Vocês são mesmo corajosos, hein?", gritou um ambulante. O comerciante Elias Ambar, diretor da União de Lojistas da 25 de Março e Adjacências, notou, desde cedo, a ausência do posto policial fixo e a circulação mais ostensiva de carros policiais, em geral em duplas e com muitos policiais dentro. "Sentimos o baque, houve diminuição geral do fluxo de clientes, as vendas despencaram", atestou. "Boatos estão adquirindo proporção perigosa."

Às 13 horas, o terminal Parque Dom Pedro II foi fechado. Funcionários da Socicam, empresa que administra o local, orientavam motoristas a desviar para deixar os passageiros nos pontos da rua. Imediatamente eles viravam o letreiro para "Reservado" e ninguém mais embarcava. A ordem era seguir para as garagens. "Isso é uma baixaria, o PCC está dominando uma cidade" indignava-se a varredora de ruas Neide Oliveira dos Santos. Ela era uma das passageiras que esperavam ir até Itaquera como sempre faz, num ônibus. Em vez disso, começou a caminhar. "Uma hora chego em casa."

Não foi o único terminal fechado. No centro, o da Praça das Bandeiras também ficou fechado. Na zona sul, o Santo Amaro deixou milhares de paulistanos sem transporte público e o Largo 13 de Maio, deserto logo pela manhã. Ao longo do dia, os comércios foram fechando, o trânsito foi piorando e às 16 horas São Paulo enfrentou um incomum horário do rush. Às 17h30, quando normalmente a média é de 50 quilômetros de vias paradas, a cidade tinha 173.

"Alguma coisa estava errada quando de manhã o ônibus teve de dar muitas voltas", lembrou Patrícia Alves Pionorio, de 24 anos. Também dispensada mais cedo do trabalho, a secretária protestava contra a situação que obrigou paulistanos a ter esse feriado forçado. "Quando você vê agências bancárias queimadas, eles que gastam tanto com segurança, é porque a situação está ruim mesmo." Patrícia reclamava também da falta de ação do governo estadual, pois, segundo ela, "todo mundo está dizendo que o federal ofereceu apoio, mas eles estão recusando".

Tristeza

O comerciante Mario Massara e Pedro Bertosi, com pontos na Rua Augusta, conversavam no fim da tarde sobre a situação. "Fecho o comércio, porque se realmente for facção eles vão atacar só quem está aberto", disse Massara. "O problema é que o pessoal está apavorado. Sinto muita tristeza em dispensar funcionários por esse motivo", completou Bertosi. Sem segurança, Bertosi ordenou às filhas que faltassem às aulas de inglês e balé. Já Massara preferiu carregar munição nos bolsos e um revólver 38 sob a blusa, por questão de segurança. "São bandidos e muito bem organizados, mais que multinacional. Só que eles respeitam a lei do cão."

Juscelino Ferreira Silva, gerente do cineclube Vitrine, aguardava, às 17h30, para fechar as duas salas de cinema. Apenas as 4 primeiras das 12 sessões previstas ocorreram. "É toque de recolher, nada de diversão." Em outras salas, como Espaço Unibanco, UOL e Bombril, sessões também foram canceladas. Por falta de pessoas com vontade de se divertir, por medo de que algo de ruim ocorresse. "Nunca tinha visto alguém entrar no cinema com medo estampado no rosto", disse o maranhense Ferreira Silva. Por via das dúvidas, ele desistiu de ir para casa, em Brasilândia, na zona norte. Dali iria ao apartamento de um amigo na Avenida 9 de Julho. Às 18 horas, quando São Paulo se recolhia, o comandante da PM, coronel Elizeu Éclair Teixeira Borges, dava entrevista coletiva e garantia: "Ontem o dia foi mais tranqüilo em termos de ocorrências."

Capital é uma das mais violentas

Genebra (AE) – Especialistas da ONU alertam que a situação da violência em São Paulo é ?muito séria? e que autoridades precisam ?tratar das raízes dos problemas? se querem dar um fim à onda de ataques. ?Essa é, no fundo, uma crise de desenvolvimento?, afirma Anna Alvazzi Del Frete, pesquisadora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, com sede e Viena.

Segundo a especialista da ONU, a falta de possibilidade para as camadas jovens da população mais carente contribui para alimentar os grupos criminosos com novos membros. Para Del Frete, nem sempre enviar o Exército pode ser a melhor opção para lutar contra a violência em uma grande cidade. ?Emocionalmente, a reação imediata de um governo pode ser a de enviar tropas para um local de crise. Mas isso nem sempre pode ser a solução. Vai depender de como as tropas atuariam e qual seria sua função?, explicou a analista das Nações Unidas.

Já empresários apontaram em um recente levantamento que São Paulo é visto como sendo mais violento que a Colômbia, país em plena guerra. A conclusão é do instituto suíço IMD, que coleta avaliações por parte do setor privado em relação às economias mais competitivas do mundo.

Segundo o critério de segurança, a região de São Paulo aparece na 57.ª posição entre 61 economias avaliadas em 2006. A pior colocada é a Venezuela, seguida pela Rússia e Argentina. São Paulo ainda ocupa uma posição pior que a do México, país conhecido por ser a capital mundial dos seqüestros.

A África do Sul também ocupa uma posição mais confortável que a da região paulista, apesar dos recentes problemas em relação ao aumento da criminalidade diante das diferenças sociais entre a população negra e branca.

Se tomado como um todo, o Brasil também ocupa uma posição mais positiva no ranking que a obtida por São Paulo. Na classificação deste ano, o Brasil aparece na 53.ª colocação. Isso porque, avaliado em seu conjunto, o País apresenta índices de segurança melhores que o de São Paulo.

Mortes na guerra urbana já chegam a 81

Brasília (ABr) – Em três dias de conflitos, o estado de São Paulo registrou 180 ataques contra prédios públicos, bases comunitárias da polícia e servidores das corporações militares e civis, incluindo 43 ônibus e 11 bancos. Segundo o balanço divulgado ontem, 91 criminosos foram presos e 38 foram mortos nos confrontos com a polícia. Também morreram 22 policiais militares, seis policiais civis, três guardas metropolitanos, oito agentes de segurança e quatro cidadãos que, de alguma forma, estiveram envolvidos nos conflitos. Outras 15 pessoas saíram feridas. O número de policiais ferido, até agora é de 34.

Policiais só pensam em vingança

São Paulo (AE) – No Parque do Carmo, um homem foi morto pela Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) ao parar um ônibus, às 23h, de domingo. Outros dois homens que estavam com ele foram presos. No Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), a Rota informou que os homens trocaram tiros. Seis litros de gasolina, em três garrafas de Coca-Cola foram apreendidos. ?E já esticamos outro em São Mateus?, afirmava às 4h um soldado da corporação, no seu palavreado típico – no qual ?esticar? e ?zerar? é sinônimo de matar. Em 12 horas, das 18h de domingo às 6h de ontem, pelo menos 13 homens, suspeitos de integrarem o ?exército? do PCC, tinham sido mortos pela polícia. Seis deles na capital e os sete outros na Grande São Paulo.

Mas a Secretaria de Segurança também teve baixas em seus quadros. Na Vila Alpina, o carcereiro Elias Pereira Dantas foi executado com tiros no rosto e nas costas. O policial trabalhava no 4.º DP de Santo André. No Parque São Lucas, a casa do sargento Junerval de Carvalho Freitas foi metralhada. Em Cangaíba, um Fiat Uno foi incendiado em frente ao sobrado onde mora o capitão Márcio Arantes, que teve também sua casa marcada por tiros. Na Delegacia Seccional de Dracena, interior de São Paulo, três carros da PM foram incendiados. ?Vamos virar o jogo. Aqui um foi para o inferno. Mas vamos matar mais de 20?, afirmou um policial militar que acabava de participar de uma das várias ocorrências dos últimos três dias em que criminosos foram mortos. ?De menos um em menos um, essa onda de ataques vai chegar ao fim?.

Desde que o PCC iniciou os ataques tem sido assim. Os homens da polícia que não estão acuados têm sangue nos olhos. Querem vingança e não escondem o desejo de matar mais do que o inimigo. Inclusive as mulheres: ?Em quem devo dar o abraço??, perguntou uma policial feminina ao chegar num local onde outro criminoso havia sido ?abatido?.

Entre os militares, a Rota aparece como grande heroína. ?Todo o efetivo deles está na rua e vai fazer estrago?, afirmou, por telefone, um policial da zona sul, antes de lamentar-se pelo fato de não ter ainda cruzado com nenhum criminoso. ?Quero ver alguém trocar tiro. Vou descarregar a pistola.?

Ontem de madrugada, quem estava na rua cumpria a promessa de cobrar sangue com sangue. Em Guarulhos, foram mortos dois homens que supostamente atacariam o Corpo de Bombeiros. Em Itaquaquecetuba, três suspeitos morreram dentro de um Gol. No Parque Santo Antônio, mais três mortos. Em Perus, o garupa de uma moto foi baleado após passar por uma viatura. Em Santo Amaro outro suspeito derrubado. Em todos os casos, a polícia disse que os criminosos atiraram antes. Sem pudores, os policiais queixam-se da influência das entidades de direitos humanos sobre a atual política de segurança. ?Queria ver se na época do Erasmo Dias (ex-secretário de segurança, que ocupou o posto durante o regime militar) isso iria acontecer?, questionou outro policial.

O mesmo policial colocou em xeque o poder de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, número 1 do PCC. ?Há mais de dez anos ele foi preso. Mas deixaram ele crescer e deu nisso. Agora, está provado que essa política de direitos humanos tem que mudar.?

Onze agências bancárias foram alvos de ataques

São Paulo (AE) – Onze ataques a agências bancárias foram registrados entre domingo e a madrugada de ontem, na capital paulista. Não há dúvida para os policiais de que todas as ações criminosas foram fruto da estratégia do PCC para desestabilizar a segurança no Estado.

Ficou totalmente destruída a fachada da agência do Itaú na Av. Francisco Morato, em Taboão da Serra. Os criminosos lançaram bomba de fabricação caseira e metralharam todas as vidraças do prédio. Em outra agência do Itaú, na Vila Olímpia, na zona sul, três homens atiraram coquetéis molotov e incediaram parcialmente o prédio.

Na Rua São João Clímaco, também na zona sul, foram lançados coquetéis molotov em agências do Bradesco e da Caixa Econômica Federal. E na travessa, Rua São Silvério, o ataque foi a uma agência do Banco do Brasil. Próximo ao número 3.000 da Estrada de Itapecerica, na zona sul, foram atacadas outras agências do Itaú e da Caixa Econômica.

Na Av. Nazaré, 1.500, no bairro do Ipiranga, zona sul, um coquetel molotov foi lançado contra o prédio de uma agência do Unibanco. Perto dali, na Rua Bom Pastor, os marginais bombardearam a entrada do Banco do Brasil. Outra agência do mesmo banco, na zona leste, foi metralhada pelo marginais. O 11.º ataque aconteceu no bairro de Campo Limpo, onde o alvo foi uma agência do HSBC.

Seis rebeliões continuam no estado de SP

São Paulo (AE) – A Secretaria de Administração Penitenciária confirmou na noite de ontem que duas rebeliões em penitenciárias permanecem em andamento. Os presos do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Hortolândia – com 1.289 presos, mas com capacidade para 750 pessoas – mantêm 11 pessoas reféns. Já na Penitenciária 2 de São Vicente, os 1.130 presos mantêm cinco agentes penitenciários reféns.

Nas cadeias públicas, cerca de quatro rebeliões estavam em andamento na noite de ontem. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo, os motins continuam nas cidades de Serra Negra, Itápolis, Ipauçu e Jandira. As outras rebeliões em cadeias públicas foram controladas. A secretaria não soube informar o número de reféns.

A Coordenadoria Penitenciária do Oeste do Estado informou que, depois de 55 horas, estavam encerradas todas as rebeliões da região. A última terminou por volta das 18h, em Pracinha, onde amotinados mantinham 2 agentes reféns. Dos 35 presídios da região, com 19,2 mil detentos, 18 deles, com cerca de 10 mil presos, se rebelaram desde as 11h de sexta-feira.

A maioria das rebeliões acabou por volta das 12h de ontem.

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