“Quem se compromete por iniciativa sua, quando falha, atrai o ódio sobre si próprio e, saindo-se bem, não recebe nenhuma gratidão” Baltazar Gracián
Finalmente o Brasil assumiu sua condição de líder político na América Latina? Esta pergunta parece ter sido respondida nas últimas semanas em função da postura do presidente Lula. A criação do “Grupo de Amigos da Venezuela” representou um passo interessante nas relações externas brasileiras e os resultados desta ação não se esgotam com o hipotético findar da crise mediada.
Dentre os inúmeros desdobramentos possíveis do comportamento externo brasileiro estão a possibilidade de sucesso e ou o fracasso na tentativa do estabelecimento de um diálogo interno entre “Chavistas” e “Coordenação Democrática”. De qualquer forma, o comportamento parece desacertado. Independe dos resultados do embate civil entre os dois pólos e a interferência de outros países, não modificará os destinos daquela nação.
É regra primária do Direito Internacional a não interferência nos assuntos internos de outro Estado. A postura político-histórica do Estado brasileiro tem sido a da cautela em relação a temas concernentes a outros países. Decorrente desta afirmação, pode-se considerar precipitada a inclinação positiva do governo no sentido de fornecer meios materiais e subsídios diplomáticos para solução da crise venezuelana.
O presidente Lula é internacionalmente reconhecido como um líder nas Américas. A organização política do trabalhismo brasileiro representou a equação final de um longo processo de luta pela legitimação dos interesses da coletividade, em contraposição aos interesses das aristocracias urbanas e rurais. Lula construiu sua história no campo democrático. Hugo Chávez é um militar golpista, ensimesmado em sua “revolução”. Assumiu o poder com uma cartilha populista e promoveu reformas constitucionais tungando o “estado de direito”. Ao estabelecer um elo com Chávez, Lula prematuramente expõe-se. Chávez não merece tanto dispêndio de forças. O presidente venezuelano já afirmou que o “grupo de amigos” só será bem-vindo se reconhecer a sua autoridade constituída.
Resta questionar se o comportamento do governo Lula representou um ato de bravura pueril, ou uma completa desorientação política. A segunda opção parece menos provável. O Itamaraty não aconselharia o presidente a adotar uma postura tão ousada. Contudo, resta lembrar que Lula possui assessores internacionais que de alguma forma podem ter influenciado na decisão do Presidente. Ainda, neste conluio genitor, o secretário-geral da OEA, César Gaviria, auxiliou no deslinde e na formação do grupo.
Mas o que há de tão inédito na postura diplomática do governo brasileiro? Em verdade, o tom emotivo e imaturo do espetáculo ufanista capitaneado por um governo que inaugura sua política externa parece ser o ponto nodal.
Mas de que riscos se está falando? Como se afirmou, o Brasil tem tradicionalmente respeitado os ditames costumeiros internacionais. É longa a lista de importantes ausências do Estado. A título mnemônico duas são referidas: na campanha das Malvinas, a Argentina exigia um apoio brasileiro em sua postura de defesa hemisférica, mas a mesma não ocorreu; a Colômbia há muito se vê envolta numa guerra civil nas bordas da fronteira brasileira e nem por isso o Brasil sinalizou com um apoio mais definitivo.
Se este governo pretende dar ao Brasil uma posição de destaque no cenário internacional tem de estar pronto para os riscos desta ação. A liderança no ambiente internacional não se configura pela espiritualidade, e sim pela força. A postura discreta do Estado brasileiro no ambiente político internacional representa uma grande vantagem. O blefe não é adequado e tampouco se coaduna com as práticas políticas e militares brasileiras, não olvidando que um conjunto significativo de negociações internacionais importantes estará sendo estabelecido nos anos do governo Lula. Qualquer arranhão pode ter um custo significativo.
O conjunto de países que apóiam a solução mediada da crise venezuelana tem que estar pronto para o envio de tropas, para os dispêndios materiais de uma operação de pacificação, para o envio de pessoal capacitado à reorganização das atividades técnicas e burocráticas, dentre outras funções. Esta hipótese foi aventada?
Estes são riscos importantes. Um líder que se declara como tal deve estar apto a compartilhar os custos da soberba. Sábio é o dito: menos palavras, menos demandas.
Leonardo Arquimimo de Carvalho é coordenador do Curso de Direito das Faculdades Assis Gurgacz.