Assassinado no Pará mais um sindicalista rural

Belém – O sindicalista e líder do assentamento Carajás, a 8 km da cidade de Parauapebas, no sul do Pará, Soares da Costa Filho, de 44 anos, foi morto ontem com seis tiros, por dois homens que estavam em uma motocicleta. Os matadores do sindicalista, ainda não identificados, estão foragidos. Soares era diretor dissidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município.

A polícia abriu inquérito para apurar o crime e trabalha em duas frentes de investigação: acerto de contas entre dissidentes do sindicato e vingança de supostos desafetos de Soares dentro do assentamento. Uma terceira possibilidade, a de crime de encomenda por fazendeiros da região, também não é descartada. Soares, segundo assentados, ultimamente vinha recebendo ameaças de morte em Parauapebas.

De acordo com o capitão Deodato Alves, da Polícia Militar de Parauapebas, que esteve no local do crime com policiais civis para fazer a remoção do corpo, a vítima foi surpreendida pelos assassinos quando caminhava por uma estrada vicinal que dá acesso ao assentamento. Não teve tempo de esboçar reação. Populares que viram os criminosos os descreveram aos policiais.

O corpo de Soares foi levado para o Instituto Médico-Legal de Marabá, para autopsia. Os tiros atingiram a cabeça e o peito do sindicalista. O crime aconteceu pouco mais de 72 horas após o assassinato da missionária Dorothy Stang e do colono Adalberto Xavier Leal, ambos em Anapu.

Tão logo soube do crime, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, determinou que agentes da Polícia Federal de Marabá participem das investigações para tentar prender os assassinos o mais rapidamente possível. Homens da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vão acompanhar os agentes da PF nas investigações.

A briga pelo comando do sindicato existe há pelo menos dois anos. O atual presidente da entidade, Francisco de Assis, para tomar posse, em meados do ano passado, teve de ingressar com liminares de reintegração de posse do prédio, que estava ocupado por integrantes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri), derrotados na eleição.

Dados do relatório "Pará: Estado de conflito", elaborado pela organização não-governamental Greenpeace, mostram que o estado apresenta o maior índice de assassinatos ligados à disputa de terras. Segundo o relatório, de 1985 a 2001, quase 40% das 1.237 mortes de trabalhadores rurais no Brasil foram registradas no Pará. Para o coordenador estadual da CPT, Jax Pinto, os crimes ligados à terra só vão acabar quando o governo federal atuar energicamente, principalmente nas regiões de fronteira.

Comoção e medo no funeral da missionária

Anapu – Em clima de grande comoção e medo, cerca de duas mil pessoas acompanharam ontem à tarde o enterro da irmã Dorothy Stang, morta com seis tiros, por pistoleiros, no último sábado, em Anapu, Pará. Ela foi sepultada numa chácara da Igreja Católica, às margens do Rio Anapu, afluente do Rio Xingu. Irmã Dorothy escolheu o local e avisou isso a amigos, como o padre Amaro dos Santos e fiéis, quando ficou claro, diante das ameaças, que seus dias estavam contados. No seu túmulo, foi plantada uma muda de mogno – árvore em processo de extinção na Amazônia, cultivada por ela mesma. O governador do Acre, Jorge Viana, entregará hoje um relatório ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que representou na cerimônia, no qual recomendará duas providências imediatas. A primeira é uma ação dura e ampla na área de segurança pública, para desarmar fazendeiros, prender jagunços que infestam a região, muitos com mandados de prisão, dar conseqüência a dezenas de denúncias policiais engavetadas e combater a grilagem.

"O governo foi afrontado. O que houve aqui foi a reação da bandidagem contra o propósito do governo de fazer reforma agrária, combater o trabalho escravo e a grilagem. O Estado está desafiado e tem que fazer a bandidagem recuar e estabelecer quem é o vencedor", enfatizou Viana. O governador lembrou que o Acre, quando era área de expansão de fronteira, nas décadas de 70 e 80, enfrentou a mesma situação. Durante as lutas, tombou o líder seringueiro Chico Mendes.

A outra medida a ser recomendada é que o governo acelere a reforma agrária, emperrada na região, sobretudo o modelo de desenvolvimento sustentável pelo qual a irmã Dorothy lutava.

Viana leva também para Brasília mais três pedidos de proteção da Polícia Federal em favor de líderes ameaçados de morte. Um deles é Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu. Em meio a todo o aparato policial que tomou conta da cidade nos últimos dias, dois pistoleiros invadiram a casa do pai de Chiquinho, no momento em que ele estava no aeroporto para receber o corpo de irmã Dorothy. Os estranhos obrigaram uma sobrinha do sindicalista a escrever uma carta, endereçada a Chiquinho, informando que ele seria o próximo.

Marcados para morrer pela mesma causa

Anapu – Outros companheiros de militância social de irmã Dorothy marcados para morrer na região de Anapu são o padre Amaro e o militante Gabriel de Moura. Nem o Ouvidor Agrário Nacional, Gersino de Souza, escapou à ousadia dos grileiros da região. Ele disse que teve de cancelar uma audiência entre assentados e fazendeiros da região de Novo Progresso, próximo de Anapu, ao ser alertado de que seria seqüestrado e morto se a decisão fosse contrária aos proprietários de terra. O corpo da freira, americana naturalizada brasileira, foi velado durante toda a noite de segunda até o meio-dia de ontem na capela onde ela atuava, no centro de Anapu. A PM calcula que mais de seis mil pessoas foram prestar sua última homenagem à religiosa. O Congresso Nacional mandou uma comitiva de dez representantes, liderada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e integrada por membros da CPI da Terra. Na quase totalidade, os presentes eram gente simples, de pele queimada pelo sol e mãos calejadas. Além de tristeza e lágrimas, com tocante sinceridade, havia também muito pânico entre os presentes, ante o agravamento das tensões com grileiros, madeireiros e grandes proprietários rurais na região, ultimamente.

Durante a cerimônia, ao longo do dia, foi noticiado o assassinato do sindicalista e líder do assentamento Carajás, a 8 km da cidade de Parauapebas, no sul do Pará, Soares da Costa Filho, de 44 anos. E de um trabalhador rural, morto a tiros numa gleba vizinha ao Projeto Esperança, onde irmã Dorothy atuava.

O momento de maior comoção ocorreu durante a homenagem prestada por representantes dos movimentos sociais de Anapu, na missa de sepultamento, celebrada pelo bispo da Diocese de Altamira, Erwin Krautler. O líder comunitário João dos Santos, que acompanhou o trabalho da irmã Dorothy por 23 anos, lembrou o modo despojado com que a religiosa atuava nas comunidades carentes da região, trajando camiseta, tênis e uma mochila nas costas, na qual carregava o que ela mesma chamava de sua arma, a bíblia.

Exército vai agir para assegurar desapropriações

Belém – O governo federal vai desapropriar todas as terras do município de Anapu onde estão ocorrendo conflitos entre fazendeiros e sem-terra. O Exército e a Polícia Federal vão garantir o assentamento das famílias, principalmente as que eram lideradas pela irmã Dorothy Stang. No total, 54 mil hectares serão usados no programa de reforma agrária. O superintendente do Ministério Nacional do Desenvolvimento Agrário, Carlos Guedes, disse que a desapropriação das terras substituirá a idéia inicial de retomada das diversas áreas de Anapu oriundas de contratos de alienação de terras públicas, mas cujas cláusulas não foram respeitadas pelos fazendeiros, como sua função social e respeito ao meio ambiente. "Quem tiver algum direito sobre a terra será indenizado. Os que se sentirem prejudicados poderão reclamar na Justiça", disse Guedes. As áreas que serão desapropriadas para o assentamento incluem as glebas Belo Monte e Bacajá, que juntas ocupam mais de 50 mil hectares. Elas são hoje reclamadas na Justiça Federal por grandes pecuaristas de Altamira acusados de fraudes contra a antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Os "sudanzeiros", como eles são conhecidos na região, embolsaram mais de R$ 100 milhões dos cofres públicos, oferecendo as terras como garantia. Com a desapropriação, voltarão para o controle do Incra doze lotes na Gleba Belo Monte, totalizando 33 mil hectares, e outros nove lotes na Gleba Bacajá, com 21 mil hectares. Sobre os projetos de desenvolvimento sustentado criados por irmã Dorothy, Guedes informou que a demarcação dos lotes, onde não há pendência judicial, está acelerada. "O PDS de Anapu é irreversível e nós vamos acelerá-lo. O sonho de irmã Dorothy será uma realidade."

Aumento do efetivo da PF em Altamira e região

Brasília – O governo federal decidiu montar uma superestrutura policial na região de Altamira, no Pará. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, anunciou ontem que a Polícia Federal vai aumentar o efetivo no estado. A decisão foi tomada depois de um encontro do ministro com os três comandantes militares, o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, o secretário Nacional de Segurança, Luiz Fernando Corrêa, e a cúpula da polícia do Pará. Foi uma reunião de operacionalização, repressão e articulação entre as ações do governo federal e do governo paraense, explicou Thomaz Bastos. As Forças Armadas vão emprestar helicópteros e ajudar no transporte de policiais e material a ser periciado. "Vamos agir com repressão e inteligência", prometeu Thomaz Bastos. "Não se pode admitir que o Estado seja afrontado, desafiado e desfraldado", disse. Participaram do encontro, além das autoridades federais, o secretário especial de Defesa Social do Pará, Manoel Santino, o chefe da Polícia Civil no Estado, Luiz Fernandez, e o comandante da PM, coronel Vieira. Ontem, no final da tarde, o ministro telefonou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está na Colômbia, para informar as decisões tomadas durante a reunião com o vice José de Alencar e, depois, com a cúpula policial do Pará e do governo federal. O presidente Lula já avisou pelo telefone que pretende se reunir hoje com todos os ministros envolvidos direta ou indiretamente com a questão fundiária. Para aumentar o efetivo policial, a direção da PF decidiu deslocar agentes que hoje fazem trabalhos burocráticos para as investigações e repressão. O governo pode antecipar a convocação de agentes e delegados aprovados no último concurso para a PF.

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