As ligações perigosas do escândalo no Ibama

Cuiabá (AG) – O Ministério Público Federal investiga ligações de políticos com integrantes do esquema de desmatamento ilegal desbaratado pela Operação Curupira em Mato Grosso. Segundo o Ministério Público Federal, a origem das fraudes é a mesma dos escândalos dos Correios e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB): o loteamento de cargos entre os partidos. Madeireiras investigadas fizeram doações a candidatos do PT na eleição de 2004. O gerente-executivo do Ibama em Cuiabá, Hugo Werle, filiado ao PT, preso pela PF, é suspeito de chefiar um suposto esquema de arrecadação em Mato Grosso.

Conversas gravadas pela PF com autorização judicial indicam que envolvidos no esquema de emissão fraudulenta de autorizações do Ibama para explorar madeira doaram dinheiro para o candidato do PT à Prefeitura de Cuiabá em 2004, Alexandre Luís César, temendo que Werle pudesse ser substituído caso o petista perdesse. O temor não se confirmou. O PT perdeu e Werle ficou no cargo até ser preso pela PF sob acusação de envolvimento em fraude na emissão de autorização para transporte de madeira.

?Constatou-se, também, que houve aproveitamento de seu prestígio (Hugo Werle ) como gerente do Ibama para arrecadação de fundos para campanha política?, diz relatório da PF que descreve a participação do gerente no esquema desvendado pela Curupira.

O esquema não envolveria arrecadação de fundos apenas para o PT. Uma escuta telefônica autorizada pela Justiça Federal mostra que o ex-secretário estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso, Moacir Pires, homem de confiança do governador Blairo Maggi (PPS), teria recebido dinheiro de empresários para legalizar uma mineradora em Chapada dos Guimarães, município a 60 quilômetros de Cuiabá.

A escuta relata a conversa de Alex Leonardo de Oliveira, funcionário de uma empresa de reflorestamento, com o reflorestador Evandro Viero Trevisan. Ambos foram presos pela Operação Curupira. Em determinado trecho, Evandro comenta o embargo da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema) à mineradora Salomão:

?Lembra que fecharam da primeira vez? Aí meu tio deu dinheiro para o Moacir Pires, ele abriu e legalizou a Casa de Pedra. Aí você viu que fecharam de novo. O Ibama fechou?. A Solar Madeiras Especiais, uma das empresas investigadas, doou R$ 15 mil para a campanha de Alexandre e R$ 3 mil para o candidato a vereador Nelson Borges. O petista recebeu ainda R$ 5 mil da madeireira Cimafram. A Solar é investigada por, supostamente, receber Autorizações para Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) em nome de empresas fantasmas e repassá-las a madeireiras da família Turati que, de acordo com o Ministério Público Federal, é uma das que mais se beneficiaram com as fraudes.

O ex-candidato a prefeito, que também preside o diretório do PT em Mato Grosso, foi procurado, mas não respondeu às ligações. O partido divulgou nota na qual, após defender a ação da PF, diz: ?O PT de Mato Grosso, diante do fato de que entre os acusados há filiados indicados para cargos comissionados pelo partido no Estado, reafirma seu compromisso com a preservação da ética na política e na administração pública. Caso sejam comprovadas as acusações, não se furtará em aplicar aos envolvidos as medidas estatutárias cabíveis.?

O relatório da PF cita duas conversas para comprovar que Werle estava envolvido com a arrecadação de campanha. Na primeira, gravada em 18 de outubro de 2004, conversam o madeireiro Elvis Cléber Portela e uma mulher identificada como Ivana. Ela vende o convite do jantar de arrecadação da campanha petista. ?Preciso vender um convite de um jantar da campanha do Alexandre pra você?, diz Ivana. Mais adiante, ela completa: ?Eu tô ligando aqui, eu tenho que passar tudo pro professor Hugo (Werle).?

Além de Werle, o chefe do escritório do Ibama em Aripuanã, Paulo Salazar, que está preso, é suspeito de agir a mando de políticos. Gravações autorizadas pela Justiça mostram que ele era o responsável pelas indicações de cargos-chave no Sistema de Fluxo de Produtos e Subprodutos da Floresta (Sismad), que faz o controle da produção de madeira.

Barros sai em defesa de Hummel, preso

Brasília (AG)- O presidente do Ibama, Marcus Barros, saiu ontem em defesa do diretor de Florestas do instituto, Antônio Hummel, preso na quinta-feira junto com outros 84 servidores do Ibama e do governo de Mato Grosso, empresários, madeireiros e despachantes envolvidos com a exploração ilegal de madeira na Amazônia. As declarações de Barros foram uma resposta ao procurador da República, Mário Lúcio Avelar, responsável pela investigação, que afirmou ter depoimentos de testemunhas mostrando que Hummel se beneficiaria financeiramente do esquema. ?Uma acusação deste porte precisa de dados objetivos. Hummel não é um homem rico, é funcionário público há 23 anos, técnico de alto nível e por isso o convidei para assumir a diretoria?, disse Barros num comunicado divulgado pelo Ibama. A direção do Ibama afastou do cargo 17 servidores. Entre eles, oito chefes de escritórios do Ibama e gerentes-executivos do órgão no Mato Grosso. No total, 49 funcionários do Ibama foram presos. O Diário Oficial de ontem publicou o afastamento ?preventivo? de Hummel por 60 dias.

Barros acredita que a Polícia Federal não vai encontrar nada que desabone Hummel, mas ressalvou que, se houver provas contra ele, serão tomadas todas as medidas cabíveis. Ele disse, porém, que, se nada for comprovado, Hummel voltará ao cargo e que ele foi afastado ?preventivamente? por portaria da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e do presidente do Ibama. A mesma portaria, publicada no Diário Oficial de ontem, cria uma comissão disciplinar para apurar as denúncias em 60 dias.

Foram exonerados ontem a gerente-executiva do Ibama em Sinop, Ana Luíza Mancini da Riva; a chefe de serviço da gerência do Barra das Garças, Ana Maria Cipriano; o chefe do escritório de São José do Rio Claro, Floriano da Cunha Pinheiro; o chefe do escritório de Canarana, Gaspar Saturnino Rocha; o chefe do escritório de Cáceres, Laércio de Souza Campos; o gerente-executivo em Barra do Garças, Luciano de Paula Silva; o chefe do escritório de Guarantã do Norte, Silvio da Silva, e a chefe da unidade de conservação federal Ique-Jurena, Sonizi Alcedina Figueiredo Oliveira.

A investigação, batizada pela PF de ?Operação Curupira?, desmontou no Mato Grosso uma quadrilha que atuava, segundo o Ibama, há 14 anos no Estado fraudando autorizações para a exploração de madeira. Depois de nove meses de investigação, a Justiça Federal decretou a prisão de 129 pessoas envolvidas.

Elielson Ayres assume interventoria no MT

Cuiabá (AG) – Escolhido pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como interventor no Ibama em Mato Grosso, depois do afastamento de funcionários envolvidos com a máfia da exploração ilegal de madeira, o procurador federal Elielson Ayres afirmou ontem que não vai aceitar a ?partidarização? do seu trabalho à frente do órgão. O ex-gerente Hugo Werle, preso pela Operação Curupira e já exonerado, ocupava o cargo por indicação da executiva estadual do Partido dos Trabalhadores (PT).

Ayres diz que pretende, ao final dos dois meses de intervenção, entregar o comando do Ibama a um funcionário de carreira e com capacidade técnica, sem influência política.

?Todos os gerentes anteriores foram indicados por questões políticas. Mas não vou aceitar qualquer interferência. Enquanto eu estiver aqui, ninguém vai falar em partidarização. E, se falar, eu vou embora no mesmo instante?, ameaçou o interventor, que tem 23 anos de serviço público, nove deles atuando no Ibama.

O interventor diz que as investigações ainda estão no começo e que novas fraudes ainda estão por vir à tona.

?Nem todo o esquema foi atingido. Há muita coisa a ser revelada e a investigar. Temos outras fraudes que ainda estão sendo investigadas e que chegarão ao conhecimento público em breve. Ainda falta abrir alguns lacres?, disse Elielson Ayres.

O primeiro destes ?lacres? no envolvimento de funcionários do Ibama com o comércio ilegal de madeira foi aberto por sua iniciativa em 2001, quando esteve em Mato Grosso para comandar processo disciplinar contra um antigo gerente do órgão. ?À ocasião, nossa ouvidoria recebeu uma denúncia anômina e, aproveitando a viagem, comecei a investigar.?

A denúncia envolvia funcionários do Ibama, despachantes e madeireiras fantasmas em uma rede destinada a burlar o sistema de controle da exploração de madeira. Ele conta que, logo no primeiro processo que foi examinado, a fraude se revelou muito clara. ?Pedi, então, autorização ao presidente do Ibama (à época, Hamilton Casara) para seguir adiante, mas recebi a recomendação para que não me envolvesse com esse tipo de coisa?, denuncia. Ayres conta ter continuado ?informalmente? o trabalho, o que resultou na comprovação da denúncia. ?Independentemente da autorização, eu tinha a obrigação de fazer alguma coisa. Então fui levantando os dados internamente, reuni tudo o que tinha e encaminhei ao Ministério Público Federal.?

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