Antes de enviar ao Congresso o texto do projeto que instituía os programas voltados a vítimas e testemunhas de crimes, o então secretário de Direitos Humanos, José Gregori, começou a receber pedidos de proteção de pessoas ameaçadas. Sem estrutura, ele chegou a levar um ameaçado pelo autor de um assassinato na Paraíba para o apartamento onde morava, na Asa Sul, em Brasília. “A minha mulher, a Maria Helena, disse: ‘Bom, ela vai ficar, mas não vai dormir’. Então, eu consegui um quartinho para a pessoa na Polícia Federal”, relata Gregori. “No Brasil, as coisas que dão certo nascem desse jeito.”
Aos 86 anos, Gregori observa que um ponto essencial da Lei 9.807, assinada no dia 13 de julho de 1999, trouxe garantias para quem fizesse uma denúncia e instituiu pela primeira vez o instrumento da delação premiada para um número mais abrangente de crimes. Naquela década, diversas leis foram criadas estabelecendo a delação para determinados casos, como a dos Crimes Hediondos (1990), dos Crimes da Ordem Tributária (1995), do Crime Organizado (1995) e da Lavagem de Dinheiro (1998). A colaboração premiada tornou-se mais detalhada com a Lei das Organizações Criminosas, assinada pela presidente Dilma Rousseff em 2013. Veja abaixo trechos da entrevista.
Ideia começou no Recife
Eu não fiz o programa de proteção do zero. Tinha um grupo de jovens que combateram a ditadura, o Cajop, em Pernambuco, que já tinha criado um programa semelhante. Eu os chamei a Brasília. Fizemos um convênio entre o Ministério da Justiça e o Cajop. Quando se fala em serviço de proteção, juntamente com o nosso trabalho no governo, não se pode esquecer a contribuição daqueles moços. Pernambuco foi o primeiro Estado conveniado. Depois, fizemos acordo com São Paulo. O serviço virou fogo de palha, se alastrando pelo País.
Queda do programa
De maneira geral, houve um descenso dessa linha de governo (política de proteção e direitos humanos). Vamos fazer justiça: essa linha começou a partir do governo Itamar Franco e se acentuou muito no governo Fernando Henrique. Curiosamente, o PT teve outras prioridades nessa parte dos direitos humanos. No último dia do governo do Fernando, em 2002, eu estava certo de que na gestão do PT, que tinha sido nosso companheiro em um tempo em que não existia PT nem PSDB, na ditadura, essas coisas de direitos humanos ganhariam grande dinamismo. As coisas ficaram no meio-termo. Eu não estranho o descenso, porque as coisas não ganharam a dimensão que deveriam, a não ser com o surgimento de um subproduto que agora é chamado de delação. Aliás, é preciso muito cuidado com o uso desse instrumento, pois o processo penal pode virar delação.
Corrupção
Como agora a colaboração é uma coisa que está dando certo, vão aparecer muitos pais. Mas o pai mesmo fui eu. E digo a você com toda naturalidade que não me passou pela cabeça, ao redigir o dispositivo com meu assessor Humberto Mesquita e o professor Gustavo Badaró, que a rede de proteção fosse servir ao combate à corrupção interna. Eu pensei na colaboração no combate às drogas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.