Durante toda a vida profissional, a professora Ruth Bicudo teve certeza de que podia contar com o plano de saúde que a empresa lhe oferecia. Por 30 anos, ela arcou com parte da mensalidade, além de uma taxa para ter seu marido como dependente. “Era um plano top de linha. Diziam que eu teria cobertura garantida, mesmo depois de aposentada. Bastaria assumir a mensalidade que estava sob a responsabilidade da empresa”, conta. Menos de um mês após se aposentar, porém, a realidade se mostrou diferente. “A operadora disse que não teria mais direito ao mesmo plano, que não bastava pagar a outra parte.”

continua após a publicidade

A mensalidade, que era de R$ 630, passaria para R$ 2 mil. “Como suportar um aumento desse justamente quando sua renda cai?” Ruth reduziu a cobertura e tirou o marido, o preço, porém, continuava sendo muito maior do que o esperado. “Durante dois meses paguei o valor, mas estava inconformada. Li o contrato várias vezes, meu direito estava ali, descrito. Não estava enganada.” A aposentada entrou na Justiça e há duas semanas conquistou liminarmente o direito de voltar a ter o plano antigo. “Voltei a dormir. Foram meses de muita insegurança. Mais do que isso: de um profundo sentimento de injustiça.”

continua após a publicidade

As dificuldades enfrentadas por Ruth não são incomuns. Uma em cada quatro ações analisadas na Justiça de São Paulo sobre planos de saúde é proposta por pessoas que, ao se aposentarem, enfrentam dificuldades em manter o contrato empresarial mantido pela empresa. São duas queixas: aumentos abusivos da mensalidade ou exclusão do aposentado do plano.

continua após a publicidade

O fenômeno ganha dimensões ainda maiores quando se analisa o envelhecimento da carteira de usuários de planos. “Estamos diante de um problema que só tende a aumentar. Com o envelhecimento da população e o aumento de pessoas que, temendo mudanças de regras da Previdência, devem apressar a aposentadoria, os conflitos deverão crescer ainda mais”, avalia a professora Lígia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que o número de pessoas acima de 49 anos que têm planos empresariais aumentou de forma expressiva nos últimos anos. Em 2004, eram 2,207 milhões de usuários. Este ano, já somam 6,543 milhões. “Com a redução da oferta de planos individuais, pessoas preferiram se manter em planos das empresas, e essa legião começa a se aposentar”, diz Lígia.

Os números preocupam o Tribunal de Justiça de São Paulo. A amostra de ações analisadas pelo Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede) indica que os usuários têm muitas dúvidas sobre a regulamentação dos planos.

“Do ponto de vista da organização dos serviços judiciários, temos de nos preparar para as ações decorrentes das modificações do mercado. Pode haver fusão de empresas empregadoras, fusão de operadoras de saúde ou mudanças de carteira”, afirma a juíza Ana Rita de Figueiredo Nery, que, em parceria da juíza Maria Rita Pinho Dias, prepara um estudo para a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo sobre as principais lacunas regulatórias que aumentam o risco de ações na Justiça.

A ANS afirma que o empregado tem direito de manter o plano coletivo empresarial quando se aposenta, desde que tenha contribuído com parte da mensalidade. O tempo em que ele pode permanecer no plano varia de acordo com período de contribuição. Se ele pagou em parceria com a empresa o plano, por exemplo, por dez meses, poderá permanecer no prazo também por dez meses. A regra muda depois de dez anos de contribuição – ele pode permanecer por tempo ilimitado.

Dúvidas e queixas

Segundo a advogada e pesquisadora do Instituto de Defesa do Consumidor Ana Carolina Navarrete, uma das principais dúvidas e queixas é sobre o prazo de 30 dias que o aposentado tem para declarar interesse em manter o plano. “Muitos não recebem a informação correta da empregadora ou não sabem ao certo quando esse prazo começa a contar.” Outra reclamação recorrente é em relação ao aumento de preços. “Muitas vezes o preço da mensalidade está muito acima do que o empregado e empregador pagavam juntos”, afirma Ana Carolina.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.