Passados 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor desde 13 de julho de 1990, o Estado brasileiro ainda precisa colocar todas as crianças em creches, auxiliar no reconhecimento de paternidade, instalar todos os conselhos tutelares, além de adequar a idade dos estudantes à série correspondente. Enquanto se discute a reforma da lei, parte de suas diretrizes segue descumprida pelo poder público.
“É uma legislação muito boa, cheia de promessas, cheia de direitos das crianças e de deveres do Estado. Mas, na prática, o Estado não cumpriu quase nada do que ele próprio legislou”, diz Guilherme de Souza Nucci, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Entre as desobediências à lei está, por exemplo, a oferta de vagas para crianças de 0 a 3 anos na rede de ensino. Apesar de o artigo 208 obrigar atendimento educacional, só na cidade de São Paulo são mais de 124 mil na fila – a Prefeitura diz que busca zerá-la neste mandato. Uns anos mais à frente, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, 50% dos jovens de 15 a 17 ainda estão no ensino fundamental.
Importantes para garantir a proteção das crianças e dos adolescentes, os conselhos tutelares ainda não atingiram o número adequado para a demanda do País. Embora apenas seis dos 5.570 municípios não tenham um órgão instalado, o déficit chega a 632 – hoje são 5.906 conselhos no Brasil. Segundo o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a recomendação é de um conselho para cada 100 mil habitantes.
Além da quantidade, Marcelo Nascimento, coordenador da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, afirma que o principal desafio para os próximos anos é equipar todos os conselhos. “Temos unidades que funcionam em uma garagem, essa não é a estrutura adequada para um local que vai receber crianças em situação de vulnerabilidade”, explica.
Justificativa semelhante apresenta Flariston Francisco da Silva, coordenador de Políticas para a Criança e o Adolescente da Prefeitura de São Paulo. Segundo ele, mais oito conselhos serão instalados na capital até o fim do próximo ano para se somar aos 44 existentes. A cidade, porém, deveria ter 118 órgãos.
Para Ariel de Castro, advogado e membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (Condeca-SP), há carência de orçamento público e recursos privados destinados à área social e à cidadania. O artigo 4º do ECA, por exemplo, prevê “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”. Um ponto que, para Castro, é desrespeitado.
O artigo 145 do ECA orienta que Estados e Distrito Federal criem varas especializadas em infância e juventude, mas apenas 12% das comarcas instalaram estruturas exclusivas, segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) feita em 2014.
Esses órgãos são responsáveis por julgar menores de idade em conflito com a lei e, como determina o artigo 122, a internação só seria destinada para casos mediante “grave ameaça” ou “violência” – hoje na Fundação Casa 39% dos jovens internados estão ali por envolvimento com o tráfico de drogas. Metade foi criada sem a participação do pai, o que mostra que o Estado foi incapaz de implementar o que determina o artigo 86: criar serviço de identificação e localização de pais.
Diante da violência juvenil, o debate sobre a redução da maioridade penal ou do aumento do período de internação de três para oito anos ganha força. Mário Volpi, um dos redatores do ECA e oficial do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), critica as duas propostas. Não há, segundo ele, evidências que provem que o agravamento das penas reduz a violência. “Fez-se uma relação entre violência e adolescência que é inexistente.” Apesar dos limites, ele tem orgulho de seu trabalho. “Foi bom ver que o País se tornou um lugar melhor para uma criança viver nesses 25 anos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.