Às margens da Estrada do Imperador, em São José dos Campos (SP), um jovem viciado em crack está de cócoras, comendo arroz velho em uma bacia suja, enquanto diz palavras desconexas. Ele e outros usuários de drogas estão em barracas improvisadas do lado de fora dos muros que cercam o terreno abandonado do Pinheirinho.
O mato que cresce ali há dois anos ainda não escondeu as árvores frutíferas, plantadas pelos antigos moradores da ocupação encerrada por uma violenta reintegração de posse, no bairro Campo dos Alemães, na zona sul da cidade. As marcas dos carros incendiados e das bombas de gás lacrimogêneo também continuam no asfalto. O que antigamente era um bairro irregular, com igrejas e comércio, hoje é um descampado vigiado dia e noite por homens em motocicletas, com uma minicracolândia em seu entorno.
A pouco mais de 10 quilômetros dali, máquinas levantam poeira e tentam reerguer, em meio à zona rural da região do Putim, um novo Pinheirinho – que ganhou dos futuros moradores o complemento “dos Palmares”. É para uma das 1,7 mil moradias, próximo da represa de uma fazenda vizinha, que o autônomo Sérgio Henrique Pires, de 44 anos, deseja mudar-se com a mulher e os três filhos. “Sou mais ‘ruralzão’, gosto de ficar perto do mato”, explica. No entanto, ele e cerca de 6 mil pessoas terão de esperar mais um ano até a obra ser concluída.
Em 22 de janeiro de 2012, a situação dos moradores do Pinheirinho virou assunto na imprensa em todo o Brasil. Pires lembra bem daquele dia. Era 1 hora de domingo e ele havia saído às 5h para buscar a mulher na fábrica onde trabalhava como auxiliar de limpeza. Ao voltar para casa, eles se depararam com um cenário de guerra e foram proibidos de entrar no terreno para procurar os três filhos. A família só conseguiu se reencontrar às 14 horas, no acampamento improvisado no centro poliesportivo do bairro, que acolheu os desabrigados.
A auxiliar de serviços gerais, Rosilene Aparecida do Nascimento, de 44 anos, também guarda marcas desse dia. Apenas com documentos e a roupa do corpo, a mãe solteira pegou as três filhas e fugiu às pressas do antigo Pinheirinho. Ao correr para ajudar uma amiga, caiu e cortou a perna profundamente. “Eles (policiais) arrombavam nossas portas, não pediam licença. Perdi tudo. Fogão, roupa que eu ainda estava pagando”, lamenta. Com a ajuda do aluguel social de R$ 500, benefício concedido pelos governos municipal e estadual, ela conseguiu complementar a renda e encontrar uma casa no Campo dos Alemães que coubesse no orçamento, mas a situação deve se complicar até a liberação das novas moradias, em 2015. “O aluguel vai aumentar neste ano.”
“Tiraram famílias que viviam aqui muito bem. E hoje este terreno não tem nenhuma função social”, reclama o advogado das famílias de Pinheirinho, Toninho Ferreira. Segundo ele, mesmo com a construção no Putim, a Associação de Moradores de Pinheirinho continuará lutando na Justiça pela desapropriação da área de 1,3 milhão de km² que pertence à massa falida da empresa Selecta, do investidor Naji Nahas. Depois do despejo, o local chegou a ser leiloado para cobrir dívidas, mas a venda foi suspensa no Judiciário.
Vigilância.
O antigo terreno da ocupação está abandonado. A reportagem tentou entrar no local, mas foi proibida pelos vigias que fazem ronda diariamente e ficam em uma guarita onde era a antiga praça de assembleias do Pinheirinho. De acordo com a prefeitura, a Selecta já foi notificada e multada por causa da sujeira e do mato que se acumula na área.