Recluso no sistema federal desde 2007, o ex-guerrilheiro chileno Mauricio Hernández Norambuena, condenado a 30 anos de prisão pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto, está prestes a ser transferido para uma cadeia comum de São Paulo. Por entender que não haveria provas ou indícios de novos crimes, a Justiça decidiu não renovar a permanência dele em segurança máxima.
Norambuena – o capitão Ramiro da Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), braço armado do Partido Comunista do Chile – foi preso em 2002 em São Paulo. No País, ele cumpre pena por associação criminosa, tortura e sequestro de Olivetto. Foram 53 dias de cativeiro.
Já no Chile acumula duas condenações a prisão perpétua: pelo assassinato do senador Jaime Guzmán, aliado do ditador Augusto Pinochet, e pelo sequestro de Cristian Edwards, herdeiro do jornal El Mercurio, ambos em 1991. Em 1996, Norambuena foi resgatado de helicóptero de uma unidade de segurança máxima, em fuga classificada de “cinematográfica”.
Em setembro, o jornal O Estado de São Paulo mostrou que Norambuena era o preso mantido há mais tempo em uma solitária no Brasil: 16 anos. Atualmente, ele está no presídio federal de Mossoró (RN) – a quarta das cinco unidades da União por onde já passou (a exceção foi Brasília).
Lá, os detentos seguem regras rígidas e a reclusão deve ser autorizada pela Justiça a cada ano. O prazo de Norambuena venceu no dia 2. “O Sistema Penitenciário Federal foi concebido com o objetivo precípuo de abrigar, de forma excepcional e temporária, presos diferenciados (…) que possuam perfis de elevada periculosidade”, diz a determinação da Justiça Federal, obtida pelo Estado. Ela confirma a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), responsável original do preso, para que Norambuena retorne.
Para o juiz corregedor Paulo Eduardo de Almeida Sorci, da 5.ª Vara das Execuções Criminais da Capital, do TJ-SP, não haveria motivo legal para mantê-lo em segurança máxima. Entre os requisitos citados, o detento deve representar risco de “contaminação do ambiente prisional”, à “segurança pública” ou aos outros presos.
O juiz escreve, ainda, que o chileno tem mais de 60 anos, não apresenta falta disciplinar e sua conduta é classificada como “boa”. Assinada em 27 de novembro, a decisão de transferência deve ser cumprida em até 30 dias.
Provas. Em ocasiões anteriores, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) chegou a alegar que Norambuena teria ligação com membros do Primeiro Comando da Capital (PCC). A defesa sustenta que nunca foram apresentadas evidências. Procurado, o MP disse que não iria se manifestar.
“Não há prova segura, tampouco informação real ou indiciária das Administrações Penitenciárias, Estadual e Federal, indicando o requerido como líder de organização criminosa”, afirma a decisão do TJ-SP. “Mais: não há uma única informação sobre fato novo, recente e efetivo no sentido de apontar que o requerido intente criar facção, fortalecer alguma existente ou utilizar o presídio como escritório.”
À Justiça, a Secretaria da Administração Penitenciária alegou “inexistência de estabelecimento penal adequado para recolhê-lo”, mas o argumento foi recusado. Em nota, disse que vai cumprir a decisão. Olivetto foi procurado pelo Estado, mas não comentou.
‘Por aqui, tu sabes, as ideias são pequenas’
Em presídio federal, os detentos são submetidos a um regime rigoroso. Ficam em celas isoladas e têm direito a 2 horas de banho de sol no pátio. Entre as regras, não podem olhar diretamente para o carcereiro. Precisam de autorização até para receber livros ou entregar cartas.
Na prisão, Norambuena costuma escrever para parentes que moram em Valparaíso, no Chile, e a advogados. Segundo familiares, o isolamento estaria prejudicando até sua comunicação. Em conversas, teria começado a confundir idiomas, misturando português e espanhol.
“Por aqui, tu sabes, as ideias são pequenas no tema político”, escreveu a um advogado. Na carta, de março de 2016, obtida pelo Estado, ele faz críticas ao capitalismo, cita um filósofo italiano e analisa a “luta de classe” na atualidade. “A dicotomia patrão e operários se esvaiu. Diluiu-se. Hoje estão os sem-teto, os ambientalistas, as lutas indígenas, as de gênero.”
“Quiçá o mais claro neste presente seja o fato de não existir razões para não lutar por um mundo com justiça social, com direitos iguais. A utopia de sempre com outros nomes.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.