Carlos senta na primeira fileira, não chega atrasado na aula e recorda da época em que não tinha condições financeiras de cursar uma graduação
Com habilidades para desenho, senhor Carlos faz aulas de pintura e está indo para o segundo ano de Arquitetura e Urbanismo.
“Estou me sentindo um ser absoluto”. É assim que Carlos Augusto Manço, de 90 anos, descreve sua vida hoje, após ir para o terceiro semestre da sua primeira graduação nestas nove décadas de vida. Amante de orquídeas e desenhista profissional, o vovô estava na dúvida entre fazer Biologia ou Arquitetura, mas optou pelo segundo por estar mais integrado ao assunto.
Morador de Ribeirão Preto, Carlos não conseguiu fazer o ensino superior na juventude por questões financeiras. “Só tinha curso profissionalizante na cidade e eu não tinha condição de estudar fora da cidade. Então, resolvi trabalhar e fazer o que estava ao meu alcance [técnico em edificações]”, explica.
O idoso conta que trabalhou por 50 anos com desenho urbano. Foi funcionário do Departamento de Águas de onde morava e, depois, ajudou a projetar as obras do hospital universitário da Universidade de São Paulo (USP), no campus de Ribeirão Preto. Hoje, na terceira idade, ele se dedica a passar seu conhecimento aos colegas de classe. “Minha vida toda foi desenhar. Então, ensino os ‘moleques’ como deve ser a intensidade do traço e tudo que aprendi anos atrás”, relata.
A coordenadora do curso de Arquitetura da Universidade Barão de Mauá – onde Carlos estuda -, Flávia Olaia, afirma que ele é bastante participativo, senta na primeira fileira, não atrasa os trabalhos, chega mais cedo na faculdade e costuma comentar suas memórias sobre a cidade nas aulas de urbanismo. “Ele teve um pouco de dificuldade com informática no começo. Tinha receio até de ligar o computador”, recorda. “Hoje, isso mudou e ele tem facilidade até para mexer com softwares da área”, completa.
Carlos é conhecido pelos alunos e professores por ser muito respeitoso, bem humorado e prestativo. A única coisa que o incomoda é quando o chamam de senhor. “Já disse para não me chamarem assim. Sou jovem, tenho 60 anos”, brinca. “Fora isso, meus colegas são simpáticos, atenciosos e me ajudam quando preciso. Não sofro preconceito por causa da idade”, diz.
O estudante está apreensivo com as matérias que estão por vir, mas contente ao ver que o tempo está passando e ele está cada vez mais próximo de se formar para aplicar o que aprendeu. “Eu vou trabalhar um pouco. Quero estagiar em algum hospital [uma vez que trabalhou em obras de saúde na USP] ou num escritório, ajudando os arquitetos”, conta. A motivação não é para menos: ele entende a importância de exercitar o cérebro na idade em que está.
Flávia Olaia conta que o mais surpreende nessa empreitada acadêmica do vovô é o apoio dos parentes. “A filha e os netos estão sempre o acompanhando. Levam e buscam o senhor Carlos todo o dia e estão sempre em contato comigo pelo WhatsApp para ver como ele está. É uma família iluminada”, elogia. Além disso, sua neta, Isabella Bucci, o ajuda transcrevendo os trabalhos no computador, uma vez que o idoso ainda tem dificuldade para digitar.
O auxílio dos entes queridos vai na contramão de uma parcela da sociedade brasileira: o mais recente levantamento do Disque 100, com dados do primeiro semestre deste ano, registrou 34,3 mil denúncias de violência sexual, psicológica, institucional, física, tortura, negligência e outras violações de direitos humanos. Nos últimos oito anos, esse casos totalizaram 432 mil queixas.
Distante desses números, Carlos segue motivado para começar 2019 dentro da universidade ao lado dos familiares, professores e amigos da turma, e encoraja jovens desmotivados a seguirem seus sonhos no ensino superior. “Não ligue para nada. Entre na idade que quiser, porque o aprendizado se molda ao lado dos colegas”, aconselha.