Uma nova análise do esqueleto de Lucy, o mais conhecido e mais antigo fóssil de um ancestral dos humanos, revela que, há 3,1 milhões de anos, os hominídeos bípedes de sua espécie se locomoviam mesmo pelas árvores e não apenas pelo chão.

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Utilizando novas técnicas de tomografia computadorizada, cientistas americanos estudaram ossos dos braços e pernas de Lucy e concluíram que, para sua espécie, subir em árvores era tão frequente que as evidências desse comportamento ficaram preservadas na estrutura interna de sua ossatura.

O estudo, publicado nesta quarta-feira, 30, na revista científica Plos One, foi realizado por cientistas da Universidade Johns Hopkins e da Universidade do Texas, em Austin, ambas nos Estados Unidos. Os pesquisadores concluíram também que o andar de Lucy era bem menos eficiente que os dos humanos, limitando sua mobilidade no chão.

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O esqueleto de Lucy, um Australopithecus afarensis de 3,1 milhões de anos, foi desenterrado na Etiópia em 1974. Desde então os cientistas debatiam se esses ancestrais dos humanos passavam mais tempo no chão, como os humanos, ou se alternavam a caminhada com a locomoção pelas árvores, típica dos macacos.

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Os resultados do novo estudo sugerem que a força relativa dos braços e pernas de Lucy estavam em um grau intermediário entre as dos atuais chimpanzés e dos humanos modernos. Isso sugere, segundo os autores, que o Australopithecus afarensis devia passar grande parte do tempo usando seus braços para se mover pelas árvores.

Os paleontólogos teorizavam que os Australopithecus caminhavam até certo ponto como os humanos – uma das evidências é que os pés de Lucy não tinham capacidade de agarrar galhos e pareciam mais adaptados à locomoção bípede -, mas ainda é difícil determinar qual era sua real capacidade para caminhar com desenvoltura.

Segundo os autores, o novo estudo também reforça a ideia de que Lucy devia se abrigar em árvores à noite para escapar de predadores. No artigo, os cientistas chegam a conjecturar que, caso dormisse por oito horas, Lucy passaria um terço do tempo nas árvores – e talvez mais, caso também buscasse comida por lá.

De acordo com o autor principal do estudo, Christopher Ruff, professor de anatomia funcional e evolução da Escola de Medicina da Universidade Jonhs Hopkins, foi possível realizar o estudo graças ao fato de Lucy ser um esqueleto razoavelmente completo.

“Nossa análise exigia ossos de membros inferiores e superiores bem preservados de um mesmo indivíduo – o que é algo muito raro em registros fósseis”, disse Ruff. Eles estudaram o úmero – osso da parte superior do braço – direito e o esquerdo, além do fêmur esquerdo de Lucy.

Para que os cientistas estudassem a estrutura óssea de Lucy, em 2008, o fóssil foi levado à Universidade do Texas, onde foi minuciosamente analisado em um equipamento de tomografia computadorizada de raios-x de alta resolução. Os dados resultaram em um arquivo digital de mais de 35 mil imagens de “fatias” dos ossos.

Segundo Ruff, as tomografias de alta resolução foram outro fator que viabilizou o trabalho: os ossos de Lucy são tão intensamente mineralizados que os equipamentos de tomografia computadorizada convencionais não são capazes de fazer imagens de sua estrutura interna.

“Nosso estudo se baseia em teorias de engenharia mecânica que descrevem como objetos podem favorecer ou prejudicar sua flexão. É como um canudinho de refrigerante, por exemplo: quando o tubo tem paredes finas, dobra-se facilmente, mas essa flexão é impedida quando as paredes são grossas”, explicou Ruff.

Segundo ele, sabe-se que o esqueleto se adapta às funções que exerce ao longo da vida acrescentando osso a certas partes que precisam de mais resistência e reduzindo a massa óssea onde as forças são reduzidas. “Jogadores de tênis são um bom exemplo. Estudos mostram que o osso cortical no braço que segura a raquete é mais robusto que o do outro braço”, explicou.

Os cientistas compararam as tomografias de Lucy com diversas amostras de tomografias de humanos – que passam a maior parte do tempo no chão, andando sobre duas pernas – e de chimpanzés, uma espécie que passa a maior parte do tempo nas árvores e que, no chão, normalmente anda sobre as quatro patas.

“Nossos resultados mostraram que os membros superiores dos chimpanzés são relativamente mais robustos porque eles usam os braços para escalar. E o contrário ocorre com os humanos, que passa mais tempo andando e tem membros inferiores mais robustos”, disse Ruff.

Segundo Ruff, as comparações mostraram que, mesmo quando andava ereta, Lucy tinha um modo de caminhar bem menos eficaz que o dos humanos modernos, o que limitava sua capacidade de se locomover por grandes distâncias no chão.

Além disso, o estudo mostrou que os quatro membros de Lucy são muito robustos em relação ao tamanho de seu corpo, indicando que ela possuía músculos excepcionalmente fortes, mais parecidos com os dos chimpanzés que com os dos humanos.

Segundo Ruff, uma redução da potência muscular no fim da evolução humana pode ter sido resultado de uma tecnologia melhor, que reduziu a necessidade de esforço físico, e de um aumento das demandas metabólicas ocasionado por um cérebro maior.

“Pode parecer singular, da nossa perspectiva, que hominídeos primitivos como Lucy combinem a caminhada no chão sobre dois pés com uma considerável frequência de escalada em árvores. Mas Lucy não sabia de sua ‘singularidade’ – ela se movia no chão e subia em árvores, dormindo e buscando comida lá no alto, até que sua vida terminasse, muito provavelmente por uma queda de árvore”, disse Ruff.

No fim de agosto, um outro estudo – que também teve participação dos cientistas da Universidade do Texas – revelou que, há 3,1 milhões de anos, Lucy provavelmente morreu após cair de uma árvore.