A rotina de Marivaldo Soares é a mesma desde 1979: ele acorda e vai para o Parque do Ibirapuera, onde vende coco, balas e salgadinhos até o anoitecer. Foi assim que, há dez anos, conheceu sua mulher, a também ambulante Tatiane Soares. Os dois fazem parte de uma cooperativa de vendedores do parque criada há mais de 30 anos e que reúne cerca de 115 pessoas. De terça-feira, 4, para cá, porém, quando o prefeito eleito João Doria (PSDB) anunciou sua ideia de ceder o parque à iniciativa privada, o casal teme ser obrigado a mudar de rotina.
A proposta do tucano prevê o repasse da gestão do Ibirapuera e de outros parques, como o da Aclimação e do Carmo, a empresas. O modelo ainda não está fechado, mas a expectativa é de que o vencedor da licitação possa explorar todas as formas de comércio dentro dos parques em troca da manutenção da área, limpeza e segurança. Nessa mudança, os ambulantes poderão correr o risco de perder suas licenças.
“Eu votei nele (Doria) no domingo, porque achei que era o melhorzinho, mas não era para ele vir ferrar com a gente”, reclama Tatiane. Ao todo, estima-se que trabalhem no parque cerca de 165 ambulantes cadastrados em duas cooperativas, além de alguns “clandestinos”, que não pertencem a nenhuma organização. São eles que cuidam do comércio local para os 13 milhões de visitantes anuais.
Autora de um livro que conta a história da Cooperativa dos Vendedores Ambulantes do Parque do Ibirapuera, a primeira do local, a jornalista Mônica Dallari diz que os cadastrados são, na maioria, pessoas de baixa escolaridade, idosos e analfabetos. “Esse projeto é gravíssimo. Com a privatização, pode ser que uma grande empresa instale uma unidade lá e tire pessoas que fizeram a vida delas e de suas famílias no local”, critica.
Mônica é namorada do ex-senador Eduardo Suplicy (PT), eleito vereador de São Paulo no domingo com a maior votação da história da cidade: 301 mil votos. Na quarta-feira, o petista ligou para Doria pedindo uma oportunidade para lhe apresentar o trabalho da cooperativa. “Ela funciona muito bem e fez um bem enorme às famílias dos 115 cooperados. É um exemplo”, diz.
Com a possibilidade de não trabalhar mais todas as manhãs no parque, Marivaldo Soares lamenta: “Eu perderia tudo. Não são só as 115 pessoas da cooperativa, são as tantas outras que dependem delas. Tenho cinco filhos”, diz. O vendedor espera que, caso o projeto vá para frente, o prefeito e sua equipe chamem os vendedores para negociar. “Não dá para ir falando muito também sem saber as propostas. Tem de esperar”, afirma.
Marinalva Ramos fundou a cooperativa ao lado de Soares. Ela também vende bebida e salgadinhos no parque, normalmente acompanhada da filha, desempregada há dois anos, ou do neto, de 16 anos. Todos os seus sete filhos já trabalharam ali. “Se agora está difícil conseguir o pão de cada dia, não consigo nem pensar se não tiver mais isso aqui. Nada vai acontecer, tenho fé em Deus, e também em João Doria. Não é possível que ele faça isso com a gente.”
Rita Batista está há quatro anos no parque. Já é da segunda geração de camelôs no Ibirapuera, assumiu o carrinho de vendas quando o pai morreu. “Se eu pudesse falar alguma coisa para o prefeito, diria que está muito errado. Tem tanta gente que votou nele, é para ajudar”, diz.
Público. Frequentador do parque desde adolescente, o psicólogo Gabriel Benício costuma andar de skate embaixo da marquise do parque. Ele não vê com bons olhos a proposta de Doria: “Aqui é um espaço público, para o povo. Certamente se tiver uma privatização, vai dar uma barrada em algumas pessoas”. Ele acha que, para melhorar o parque, a Prefeitura deveria investir mais em infraestrutura, como pistas de skate.
A paraibana Cinthia Ramos frequenta o local há um ano. Sobre a proposta de entregar a administração à iniciativa privada, ela faz uma sugestão, caso saia do papel: “Eu gostaria de ver mais aparelhos para malhar aqui, como há no Parque Villa-Lobos, e alguns restaurantes também”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.