O Brasil está perdendo a liderança no cenário mundial na adoção de políticas que permitam alimentação saudável, afirma o professor Boyd Swinburn, especialista em Nutrição Populacional e Saúde Global da Universidade de Auckland (Nova Zelândia). Copresidente da comissão responsável pelo relatório que apontou a existência de uma “sindemia global” – provocada pela junção das pandemias de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas -, o professor diz ser urgente um esforço de governos e da sociedade civil para reverter a tendência de piora nos indicadores. Para ele, progressos começam a ser identificados em alguns países. “Mas o Brasil está seguindo os EUA e retrocedendo”, constata.

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Publicado no início do ano na revista The Lancet, o estudo indica que o sistema alimentar atual, além de impulsionar a obesidade, favorece a desnutrição e as mudanças climáticas.

O senhor visita o País num momento em que o desmatamento e os benefícios para indústria de bebidas açucaradas aumentam…

Por causa da importância da Amazônia, esse é um problema que afeta a todos, não apenas o Brasil. As políticas estão indo em direção oposta ao que desejaríamos. Infelizmente, acredito que isso seja reflexo dos interesses das grandes corporações. Temos de dar voz a outros grupos, ao interesse de pequenos produtores, à sociedade civil, como ocorria no Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar, colegiado que teve suas atribuições retiradas pelo governo de Jair Bolsonaro). Progressos estão sendo identificados em várias partes do mundo. Mas o Brasil está seguindo os EUA e retrocedendo. E pela importância do Brasil, isso é uma má notícia.

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Temos tempo para conter a sindemia?

Temos, mas não muito. As três pandemias que interagem entre si têm trajetórias distintas. As taxas de desnutrição estão caindo, mas lentamente. A obesidade continua aumentando e a mudança climática ainda mal começou a ser revertida. As estimativas mostram que temos 10 anos para mudar a tendência atual para que não entremos num ciclo vicioso.

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As constatações de pesquisas científicas passaram a ser constantemente questionadas, sobretudo referentes ao aquecimento global. Isso dificulta a adoção de medidas necessárias?

O fenômeno não é restrito ao Brasil. Norteadas por interesses comerciais, muitas organizações fazem questionamentos sobre conclusões que mais de 90% dos cientistas chegaram. Isso acontece com estudos referentes a mudança climática, tabaco, alimentação, poluição, obesidade… Grandes indústrias procuram promover a dúvida sobre os achados da ciência.

Isso pode ser superado?

A Organização Mundial da Saúde, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) produzem inúmeros documentos indicando quais são os problemas e o que pode ser feito para solucioná-los. Há sugestões que não estão sendo implementadas. A razão para isso é a inércia política. E essa paralisia tem três componentes. A começar pela oposição da indústria. O segundo aspecto é a relutância política. Há uma resistência em legislar ou adotar medidas que de alguma forma ameacem os interesses de conglomerados econômicos. O terceiro fator é a demanda insuficiente da sociedade civil.

E há saída para essa inércia?

Para quebrar esse ciclo é preciso sensibilizar a sociedade civil para esses temas. E a alimentação é mobilizadora. Todos comemos. Se pudermos mobilizar a sociedade civil, aí estaremos aptos a quebrar a inércia na política.

E como mobilizar a sociedade?

Um dos momentos em que a sociedade se mobiliza é numa grande crise. Mas essa não é a maneira mais inteligente, quando a população é forçada a encontrar mecanismos para tomar ação. Outra forma é por meio de ações de conscientização. A sociedade civil em geral tem paixão, energia, conhecimento, mas poucos recursos. Estamos buscando criar um fundo para auxiliar nisso.

Há previsão de quanto seria necessário para o fundo?

Um bilhão de dólares. A estratégia pode ser bem sucedida. No México, a sociedade pressionou e foi criada a taxação de bebidas açucaradas.

A população estaria disposta a abrir mão de conforto em nome de uma ameaça que não é para muitos palpável?

Ter diabetes não é confortável. Todas as coisas precisam ser colocadas em perspectiva. Quem tem transporte público de qualidade ou se desloca de bicicleta para ir ao trabalho, boa parte das vezes, valoriza essa condição. O mesmo acontece com comer menos carne. Pessoas que adotam dieta saudável têm ganhos, elas não são infelizes. Aliás, há estudos que relacionam junk food a um maior risco de depressão.

O Brasil discute novas regras para rótulos de alimentos. A indústria é contra o sistema de alertas, defende o modelo de semáforos. Um dos argumentos é de que não há alimentos perigosos.

Esse argumento está morto. Mesmo o semáforo, defendido pela indústria, é uma forma de dizer que alguns ingredientes são bons ou ruins pra a saúde. A verdade é que a indústria reluta em comunicar de forma clara quais são os componentes saudáveis ou não. Na área de alimentação, o Brasil exerceu a liderança em vários aspectos, mas vem perdendo essa posição. Se quiser manter a liderança, seria importante caminhar na rotulagem.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.