Entre facas, celulares, munição, serrotes, maconha e dinheiro, os agentes que realizaram a última vistoria na Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, encontraram nada menos que uma motosserra dentro de uma das celas. A vistoria foi feita na última quinta-feira (18) e as dimensões do objeto deixaram claro para os gestores da política penitenciária da Bahia que a corrupção está presente entre envolvidos no trabalho com o preso.
“Uma motosserra não entra no presídio sem que haja algum tipo de facilitação”, considerou o secretário estadual de Justiça, Nelson Pellegrino, que assumiu o cargo há cerca de dois meses.
A Bahia será o próximo estado a receber o mutirão carcerário do Conselho Nacional de Justiça. O estado tem hoje um déficit de cerca de 8 mil vagas, considerando que há um excedente de cerca de 2 mil presos no sistema penitenciário e de 6 mil vivendo nas carceragens das delegacias. A Penitenciária Lemos Brito é a maior unidade do Complexo Penitenciário de Mata Escura, em Salvador, e no ano passado foi alvo de uma operação que apreendeu dentro da cela do traficante Genilson Lino da Silva, o Perna, 8 quilos de cocaína, pistolas e R$ 280 mil. Hoje, Perna está no Presídio de Segurança Máxima de Catanduvas, no interior do Paraná.
Entre outras regalias, Perna tinha a chave de sua cela. Na época, o diretor da unidade, Luciano Patrício de Oliveira, foi exonerado e o governo desativou um dos cinco pavilhões, o chamado Corpo Quatro, que abrigava Perna e de onde ele controlava grande parte do tráfico de drogas da capital baiana. Oito agentes foram citados como coniventes com Perna, mas não foram exonerados, apenas transferidos para outras unidades por serem concursados.
Mesmo diante das recentes apreensões, o secretário afirmou que o governo da Bahia tem total controle do que ocorre dentro das cadeias. Ao comentar as apreensões, insistiu: “Problemas sempre existiram. Agora, aqui na Bahia, nós estamos com o controle das nossas unidades prisionais. Aqui, bandido não manda em cadeia não. Nosso maior problema era a Penitenciária Lemos de Brito. Fizemos uma megaoperação lá e tiramos o diretor. A determinação é a seguinte: quem manda na cadeia é o estado. Com todo respeito ao preso, mas nós determinamos que aqui na Bahia não tem esse negócio de xerife mandar na cadeia”, disse Pellegrino.
No entanto, Pellegrino admite que o sistema pode apresentar problemas de corrupção. “Se me perguntarem se tem problema de corrupção, eu respondo que pode existir, mas nós vamos enfrentar. Queremos criar uma unidade de inteligência prisional e uma corregedoria no âmbito da secretaria. Corrupção tem em todo lugar. A grande questão é como se lida com isso e nós não vamos ser tolerantes”, disse o secretário.
A comparação entre o material apreendido na penitenciária e o que foi entregue na delegacia responsável por fazer a investigação indica que algo ficou pelo caminho. Na lista da Secretaria de Justiça constam, além da motoserra, 70 facas, 41 celulares, seis balas calibre 38, 590 buchas de maconha, um serrote, seis tesouras, nove cadeados e R$ 3,7 mil.
Já na lista de materiais recebidos pela Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes, não existe motosserra. Quarenta celulares simplesmente desapareceram e dos R$ 3,7 mil encontrados com os presos, somente R$ 1,5 mil foram recebidos na delegacia, de acordo com informações repassadas pelo delegado titular Carlos Habib. “É muito estranho esses materiais terem sumido”, disse o delegado.
Além da questão do controle precário, a Lemos de Brito foi destaque no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário devido aos problemas de saúde. A CPI visitou a unidade no ano passado e relatou: “Em Salvador, Bahia, no presídio Lemos Brito, para evitar que os ratos e as baratas saiam pelo “buraco” imundo no chão (que chamam de privada), os detentos apelam para o jeitinho brasileiro: amarram, com um barbante, uma garrafa de refrigerante de dois litros, cheia de água e usam como “tampão” no buraco fétido”, diz o relatório divulgado em julho do ano passado.
“A falta de medicamento também foi uma constante. Em uma cadeia na Bahia, o preso disse à CPI que quando eles têm dores e pedem remédio, o diretor manda um agente com um porrete, onde está escrito ‘dipirona’ e os agridem. ‘Porradas’ é o remédio que tomam”, diz o texto assinado pelo deputado Domingos Dutra (PT-MS).
De acordo com a Pastoral Carcerária, desde então houve avanços na questão da saúde com a contratação de uma equipe de profissionais para atuar em cada presídio. Mas o padre Filipe Cromheecke, coordenador do trabalho da pastoral em Salvador, ressaltou que a falta de higiene ainda existe e que, muitas vezes, os familiares precisam levar material de limpeza, porque falta nas prisões.
“A questão da saúde melhorou devido à implantação do plano federal que colocou em cada unidade penal uma equipe de saúde que conta não só com médicos, mas também com assistente social, psicólogo, dentistas e enfermeiros. Mesmo assim, no caso da tuberculose, a gente percebe que há problemas para que o preso continue o tratamento. Às vezes, ele é transferido e não dá continuidade”, disse o padre.
“Mas a falta de higiene ainda é grande. Não estou falando da higiene pessoal, porque isso não é problema entre os presos. Estou falando da falta de higiene do local. Falta material de limpeza. O parente é que precisa trazer. Estou falando para limpar chão do banheiro que, em um lugar com tanta gente, tem que ser feito regularmente”, acrescentou Cromheecke.
Um médico que atua dentro da prisão, mas que pediu para não ser identificado, temendo represália, disse à reportagem da Agência Brasil que o problema da falta de medicamentos e de condições para realizar exames ainda não foi totalmente solucionado. “Muitas vezes, a gente faz o diagnóstico, prescreve a medicação e no meio do tratamento, o preso acaba ficando sem o remédio”, destacou o médico. Ele disse ainda ser mais comum no presídio doenças como a tuberculose e a hanseníase, além da escabiose, conhecida popularmente como sarna.
O médico também ressaltou que a falta de higiene propicia o aparecimento de doenças. “Faltam condições mínimas de higiene, a começar pela água que é imprópria para o consumo humano. “A água é visivelmente turva, suja. O reservatório não é limpo. Quando se abre a torneira, o que vem primeiro é lodo e ferrugem”, destacou.
Outro problema apontado pelo médico, pela pastoral e confirmado pela própria secretaria é que os vasos sanitários instalados dentro das celas não têm equipamento de descarga. Os presos usam baldes de água para limpar o local.
A Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia negou a falta medicamentos para o tratamento de doenças, mas disse que eventualmente podem ocorrer problemas com a distribuição das medicações que são fornecidas pelo governo federal e distribuídas pela prefeitura.