Com uma quentinha servida uma vez por dia, banheiros sem portas, vasos sanitários quebrados e higiene precária. É assim que haitianos e africanos, de várias nacionalidades – Congo, Angola, Nigéria, Togo, Gana, Serra Leoa, Costa do Marfim e Camarões – e de diferentes crenças religiosas estão vivendo no abrigo público da Rua do Glicério, região central de São Paulo. Com cerca de 200 estrangeiros ocupando alojamento de 150 vagas, os imigrantes reclamam da ausência de ventilação no salão dos beliches e da falta de privacidade nas latrinas masculinas.
“Este homem está comendo o que sobrou do jantar de ontem”, mostrava um africano, ao meio-dia de sexta-feira, dia 15, apontando para um cidadão de Gana que há um mês está em busca de vida nova no Brasil. Na segunda-feira, dia 18, e na quinta-feira, dia 21, a situação permanecia a mesma, quando o Estado voltou ao local.
Ao lado do colega, John Baidoo, também ganês, igualmente se alimentava de uma quentinha da véspera. O mais desesperado do grupo era Tahiru Funeri. Indignado, ele criticava a falta de higiene no abrigo. E apontava para um rapaz que, segundo ele, estava gripado e não tinha acesso a medicamentos. “Não há ventilação no dormitório. E este homem está doente. Nos banheiros, não há portas, há muita sujeira e urina em garrafas”, dizia o africano.
Na semana passada, os imigrantes continuavam recebendo somente o jantar, que é fornecido pela Prefeitura de São Paulo. O almoço e o café da manhã que, quando estourou a crise da imigração vinda do Acre, em abril, tinham ficado a cargo da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, por meio dos restaurantes Bom Prato, foram cortados depois de 60 dias. O Estado forneceu as refeições de 29 de abril ao dia 30 de junho.
Disputa
A tensão entre os imigrantes é crescente. No mesmo prédio estão abrigados haitianos, que falam francês, e africanos que falam inglês. Na manhã de segunda-feira, segundo dados da Prefeitura, havia cerca de 200 pessoas no abrigo, mas o espaço já registrou até 300 acampados dormindo em colchonetes no chão. No fim da manhã, continuava a chegar gente ao alojamento.
Funcionando em caráter emergencial, o abrigo do Glicério não tem banheiros adequados. Nem cozinha. O sanitário masculino do mezanino, no fundo do galpão escuro e sem ventilação mecânica, está quebrado. Os homens são obrigados a se aliviar em garrafas PET. As embalagens de refrigerantes e água servem de penicos, que ficam embaixo das camas – ou são colocadas, cheias, nos cantos do banheiro. O cheiro é forte. Africanos protestam, falando inglês, acusando haitianos – que se defendem, em francês. No prédio ao lado de um pátio cimentado, que separa o alojamento de uma edícula, há cinco latrinas. Mas as condições de uso são limitadas. A privacidade é zero. Não há portas nos banheiros – placas de madeira de pouco mais de um metro de altura expõem o usuário.
Sujeira
Água de esgoto escorre pelo chão do local, que é usado também como recepção, varal de roupas, praça de sol e sala de espera. Dezenas de pessoas transitavam por ali, até mesmo os recém-chegados com suas malas. Uma limpeza havia sido feita nos banheiros, mas somente com água. Não havia desinfetante disponível para a higiene do local.
As precárias condições de higiene do abrigo agravam a tensão do difícil convívio diário dessas dezenas de pessoas de nacionalidades, hábitos e costumes diferentes, que passam os dias sem ocupação, dependentes da burocracia na documentação para conseguir trabalho.
Para Tahiru Funeri, ganense que se diz habilitado para trabalhar como “butcher” (açougueiro), a falta de comida no abrigo e a demora no atendimento da documentação complicam o drama. Ele reclama que o Brasil oferece privilégios aos haitianos, enquanto o tratamento com os africanos é mais demorado. “Os haitianos recebem os documentos rapidamente. Os africanos têm de aguardar mais de mês”, emenda outro homem. Segundo Bismarck Attuah, ganense que procura trabalho como motorista, a permanência é temporária. “Queremos é ir trabalhar nas fazendas, em qualquer lugar”, diz. “Não q,ueremos ficar aqui no abrigo”, emenda Baidoo. “Queremos trabalhar.” Colaborou Felipe Resk. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.