Conheci o meu marido, Juliano, quando eu tinha 17 anos, e nunca mais nos separamos. Dividimos, por anos, uma amizade incrível. Tínhamos uma turma legal e íamos sempre juntos a festas, bares. Foi essa amizade que acabou nos aproximando e nos tornando namorados. Sempre nos demos muito bem e compartilhávamos os mesmos objetivos de vida, entre eles o de sermos pais. Até aliança de compromisso colocamos.
Ainda na época de namoro, aos 25 anos, eu desenvolvi a Síndrome de Guillain-Barré – uma doença autoimune grave, que afeta o sistema nervoso e paralisa todos os músculos. Começou com uma simples dormência na ponta dos dedos, mas, em uma semana, chegou ao músculo do diafragma, me causando duas paradas cardíacas.
Resultado: foram 13 dias de UTI, 31 dias no hospital e 6 meses afastada do trabalho. Eu perdi todos os movimentos, parei de andar e tive de reaprender a fazer o básico, como comer sozinha. E, nesse tempo todo de horror, o Juliano sempre esteve ao meu lado. Foi aí que percebemos que tínhamos de nos casar. Nossa vida seria para sempre juntos.
Graças a Deus me recuperei completamente, e a única sequela que carrego da doença é um leve tremor nas mãos, que aparece de vez em quando. Mas, diante do que foi o meu quadro, isso não é nada.
Eu e o Juliano nos casamos no ano 2000 e fomos tocando nossas vidas. Eu me formei em Processamento de Dados, fiz pós-graduação, MBA e um mestrado internacional nos Estados Unidos e na Espanha.
Nesse período, fui migrando de empresas, sempre crescendo profissionalmente. Tinha uma vida absolutamente corrida, turbulenta, e ia deixando a maternidade para depois, embora o desejo de ser mãe estivesse sempre comigo.
O tempo foi passando e fui postergando a maternidade porque eu pensava “Será que posso ter filhos?” Até que, aos 40 anos, parei e pensei que estava na hora de ser mãe. Ter filhos era um projeto de vida. Eu já tinha uma carreira consolidada, um currículo legal, já tinha feito viagens maravilhosas e estava financeiramente estável.
Procurei um especialista e, após alguns exames, passei por duas tentativas de inseminação artificial usando o sêmen do meu marido (quando o esperma é injetado diretamente no útero da mulher), mas nenhuma delas deu certo. Na terceira vez, usamos o meu óvulo e o esperma de um banco de sêmen. Nesta tentativa, eu cheguei a engravidar, mas a gravidez não evoluiu.
Nessa altura, eu já estava com 44 anos. Mudei de médico, e ele me disse que meus óvulos estavam envelhecendo comigo – por isso, o insucesso das tentativas. Aí ele me apresentou a possibilidade de tentarmos a gravidez adotando embriões. No caso, seriam o óvulo e o espermatozoide de doadores, sem nenhuma carga genética minha e do meu marido. Topamos na hora, afinal, hoje em dia a Medicina está muito avançada. Nossa maior preocupação era que os embriões tivessem as nossas características físicas.
A clínica nos apresentou umas 20 opções de doadores de embriões e, destes, separamos três para avaliar com calma. Tínhamos de estar certos da decisão que tomaríamos. Confesso que me senti mal com isso. Parecia que eu estava comprando um produto, escolhendo uma embalagem. [O PROCESSO]É meio esquisito, deixou a gente um pouco abalado, afinal, quando você engravida, você não escolhe o filho, acontece. A gente selecionou os que tinham descendência italiana e libanesa para passar a régua de alguma forma. E colocamos os dados em uma planilha.
Depois de muito analisar, decidimos por três embriões e implantamos todos eles – a chance de os três vingarem era pequena. A expectativa era engravidar de um, mas, quando ouvi do médico que eram três, fiquei felicíssima! Adotei três embriões e engravidei de trigêmeos. Meu marido olhou com uma cara de espanto como quem diz: “E agora?”. O desafio era manter os três bebês comigo, afinal seria uma gestação de risco, por serem múltiplos, por eu ser hipertensa e ter 45 anos. Mais calmo, meu marido falou: “Agora quero ser pai dos três. Vamos fazer de tudo para termos os três”. E assim foi.
A gestação em si foi bem tranquila, os bebês nasceram na 34.ª semana: Eduarda, com 1,7 quilo; Mariana, com 1,9 quilo; e Breno, com 1,65 quilo. Eles foram para a UTI apenas para ganhar peso, uma vez que a condição para a alta era ter pelo menos 2 quilos.
A Mariana foi a primeira a ir para casa. Foi bom, pois ela já foi nos ensinando como seria a nossa rotina. Uma semana depois, os outros dois receberam alta. Sem babá nem empregada, eu e o Juliano cuidamos dos três na raça. Nós nos revezamos nas tarefas de amamentar, dar banho, trocar. Gastamos em média uma lata e meia de leite e 84 fraldas por semana.
A rotina é puxada e exige metodologia. Eu faço um check-list e deixo tudo arrumado antes de sair para o trabalho: arrumo a sala de brinquedos, reponho o algodão, separo as fraldas, as trocas de roupas do dia, as toalhas para o banho, as vitaminas que eles tomam. Juliano assume o dia. Ele cozinha, cuida dos bebês, alimenta. A gente leva isso de forma muito parceira.
Um dia, quando forem capazes de entender, contaremos para eles como nasceram e que foram adotados. Na minha família temos outros casos de adoção de crianças e isso não é um tabu.
Este domingo (hoje) será meu primeiro Dia das Mães com meus filhos fora da barriga. Não é lindo isso? É emocionante. Tudo isso foi pago, gastei o equivalente a um carro zero. Mas, olhando hoje, meus filhos não têm preço e eu faria tudo de novo. O meu amor triplicou. / Depoimento a Fernanda Bassette, Especial para o Estado
Técnica ainda é pouco difundida
O Brasil não tem uma legislação específica para as técnicas de reprodução assistida. O que existe é uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que estabelece as normas a serem seguidas nesse tipo de tratamento, e a adoção de embriões é permitida desde 1992, apesar de ainda ser pouco difundida.
Quando um casal se submete à reprodução assistida, em geral sobram alguns embriões que devem ser mantidos congelados por pelo menos três anos. Após esse período, os embriões excedentes devem ser descartados, doados para pesquisa ou para outro casal, ou ainda mantidos congelados. É daí que surgem os embriões que serão adotados por outros casais com problemas de fertilidade.
Segundo o médico José Geraldo Alves Caldeira, da Clínica de Reprodução Humana do Hospital Santa Joana, o principal receio dos casais que doam seus embriões excedentes é pensar que eles terão outros “filhos” espalhados pelo país.
“Realizamos cerca de uma embriodoação por mês. A disponibilidade de embriões para adoção ainda é baixa justamente porque os casais doadores relutam”, afirma.
Em compensação, para os pais que recebem esses embriões, a aceitação é imediata. “São casais que já sofreram por anos com tentativas fracassadas, então o desejo de ter um filho sempre fala mais alto.”
Segundo Hitomi Miura Nakagawa, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e integrante da Câmara Técnica que discute o tema no CFM, não existem dados sobre o número de casos já feitos no Brasil. “Ainda são poucos, pois antigamente não existiam técnicas muito eficazes de descongelamento desses embriões. Isso melhorou muito de uns dez anos para cá”, avalia Hitomi, que acrescenta: “A maioria dos casais prefere manter seus embriões congelados pelo dilema de pensar que poderão ter filhos pelo mundo”.
Anonimato
Uma das normas da embrioadoção é garantir o anonimato tanto de quem doa quanto de quem recebe esses embriões. Mas, caso essa criança um dia saiba que foi adotada, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ela tem direito a buscar suas origens.
De acordo com a professora Silmara Chinellato, titular da disciplina de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), não é possível garantir o anonimato dos doadores justamente porque ele contraria o direito ao conhecimento das origens da pessoa gerada com sêmen ou óvulo doado, previsto no ECA. “Esse é um direito indisponível. No Brasil, o exercício desse direito é por ação judicial”. Para Silmara, porém, a adoção de embriões é uma “destinação elogiável” aos embriões excedentes. “É um tema crucial da bioética.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.