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‘Adoção na Passarela’ remete às feiras de escravos, dizem juízes

A Associação Juízes para Democracia (AJD) repudiou, nesta quinta-feira, 23, o evento “Adoção na Passarela” e o comparou às “feiras de escravos”. Em nota pública, a entidade dos magistrados sustenta que o episódio – realizado em Cuiabá na terça, 21, pela Associação Mato-Grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara) em parceria com a Comissão de Infância e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional MT – “não só violou as garantias (das crianças e adolescentes), como expôs de forma duvidosa, para não dizer desumana, às graves situações de extrema vulnerabilidade emocional e social a que estão expostos”.

No entendimento dos juízes “o evento se assemelha mais a uma “feira de adoção”, expondo crianças e adolescentes como objetos, como mercadorias de consumo e, ademais, utiliza as crianças e adolescentes como instrumento de propaganda para os “parceiros”.”

AJD é uma entidade nacional composta por cerca de 300 juízes e juízas de diferentes segmentos do Judiciário, federais e estaduais.

Também em nota, a OAB/MT e a Ampara rechaçam as acusações. “Nunca foi o objetivo do evento, parte integrante de uma série de outros que compõem a “Semana da Adoção”, apresentar as crianças e adolescentes a famílias para a concretização da adoção.”

Segundo OAB e Ampara “a ideia da ação visa promover a convivência social e mostrar a diversidade da construção familiar por meio da adoção com a participação das famílias adotivas”.

“Nenhuma criança ou adolescente foi obrigado a participar do evento e todos eles expressaram aos organizadores alegria com a possibilidade de participarem de um momento como esse. A ação deu a eles a oportunidade de, em um mundo que os trata como se invisíveis fossem, poderem integrar uma convivência social, diretriz do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária”, cravam OAB e Ampara.

Mas a Associação Juízes para Democracia tem uma outra avaliação do evento. “Nos termos propostos, a iniciativa nos faz retroceder no tempo e nas conquistas e nos remete às feiras de escravos.”

Os juízes entendem que “há várias outras formas e campanhas para adoção que não expõem as crianças e adolescentes e nem os revitimizam”.

“No evento, além de serem ofertados como produtos, e não como sujeitos que são, corre-se o potencial risco de não serem adotados, mas serem revitimizados, gerando novo sentimento de abandono e lhes causando sérios impactos psicológicos, frustrações e dor pela rejeição”, adverte o núcleo de magistrados.

Para eles, “os fins não podem justificar os meios, ao ponto de, sob o fundamento de se buscar uma família para eles, expô-los a tamanha mercantilização, violando-lhes suas imagens e integridades psíquica e moral”.

Associação Juízes para Democracia argumenta que “mesmo que houvesse o aval de crianças e adolescentes, sabe-se que estes são sujeitos em desenvolvimento e não têm a maturidade para decidir sobre suas exposições, cabendo aos adultos envolvidos, especialmente Ministério Público, Juízes e Defensoria zelar para que não ocorresse tamanha exposição”.

NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA DEMOCRACIA EM REPÚDIO AO EVENTO DENOMINADO “ADOÇÃO NA PASSARELA”

“A Associação Juízes para a Democracia REPUDIA o evento denominado ‘Adoção na Passarela’, realizado no dia 21/05/2019 pela Associação Mato-Grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara) em parceria com a Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT).

O Estatuto dos Adolescentes foi uma construção de Direitos Humanos da população infantojuvenil, razão especial do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Crianças e Adolescentes ter seu locus no ordenamento nacional, nos Ministérios e Secretarias de Direitos Humanos.

O ECA foi uma importante conquista civilizatória para esta população, clientela que até então, por ser tratada como objeto de intervenção, tinha parcela de seus direitos sonegados.

Com o abandono do Código de Menores e a publicação do Estatuto, que já data de quase 30 anos, uma das quebras paradigmáticas mais significativas foi a elevação de crianças e adolescentes à categoria de Sujeitos de Direitos, abandonando a velha prática tutelar de objeto.

Como objetos que eram qualificados, tudo podia ser feito sob o manto do ‘interesse superior do meno’. Aliás, com essa prática tutelar, barbaridades e um leque de violações eram praticados contra os ditos ‘menores’.

O Estatuto ao longo de sua existência, sofreu uma série de alterações, sendo que a chamada ‘Nova Lei de Adoção’, nada mais foi do que algumas alterações no próprio Estatuto e que tinha como um dos principais objetivos reforçar o direito de crianças e adolescentes a uma convivência familiar e comunitária. Num primeiro momento luta-se pelo direito a uma convivência no seio de sua família biológica de origem e, quando isso não se torna possível, noutras formas de colocação em família substituta sob as modalidades de guarda e adoção.

No ECA, dentre outros direitos inalienáveis e invioláveis, como sujeitos de direitos que são as crianças e adolescentes, está o da preservação de sua identidade e sua imagem, com o fito de defender-lhes de exposição a situações de violações de seus direitos e até mesmo vexatórias, quando em seu artigo Art. 17 dispõe: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”, e em seu artigo 18. Estabeleceu que ‘É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.’

O denominado evento ‘Adoção na Passarela’, com o intuito de dar ‘visibilidade à crianças e adolescentes de 04 a 17 anos que estão aptas para adoção’, não só violou as garantias acima, como expôs de forma duvidosa, para não dizer desumana, às graves situações de extrema vulnerabilidade emocional e social a que estão expostos.

O evento se assemelha mais a uma ‘feira de adoção’, expondo crianças e adolescentes como objetos, como mercadorias de consumo e, ademais utiliza as crianças e adolescentes como instrumento de propaganda para os ‘parceiros’.

Nos termos propostos, a iniciativa nos faz retroceder no tempo e nas conquistas e nos remete às feiras de escravos.

Mesmo que houvesse o aval de crianças e adolescentes, sabe-se que estes são sujeitos em desenvolvimento e não têm a maturidade para decidir sobre suas exposições, cabendo aos adultos envolvidos, especialmente Ministério Público, Juízes e Defensoria zelar para que não ocorresse tamanha exposição.

Esses garantes não podem falhar a ponto de compactuarem com tamanha mercantilização dessas crianças e adolescentes acolhidos. São garantes não apenas legais dos direitos desta clientela, mas têm, sobretudo, um dever ético. Ministério Público, Judiciário e Defensoria, são pilares éticos das crianças e adolescentes que se encontram nessas situações de tutela pelo Estado.

Há várias outras formas e campanhas para adoção que não expõem as crianças e adolescentes e nem os revitimizam. No mencionado evento, além de serem ofertados como produtos, e não como sujeitos que são, corre-se o potencial risco de não serem adotados, mas serem revitimizados, gerando novo sentimento de abandono e lhes causando sérios impactos psicológicos, frustrações e dor pela rejeição.

Os fins não podem justificar os meios, ao ponto de, sob o fundamento de se buscar uma família para eles, expô-los a tamanha mercantilização, violando-lhes suas imagens e integridades psíquica e moral.

Por estas razões, a AJD, reiterando seu compromisso com a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente repudia a proposta da ‘doção na passarela’, como uma inciativa que fragiliza seus direitos e os expõe em sua vulnerabilidade.

São Paulo, 23 de maio de 2019.”

LEIA A NOTA CONJUNTA DA AMPARA E OAB/MATO GROSSO

“A Nota de Esclarecimento foi divulgada na quarta, 22, às 17h30

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Diante da repercussão do evento ‘Adoção na Passarela’, realizado pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA) e pela Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), as instituições vêm a público esclarecer que:

-Nunca foi o objetivo do evento – parte integrante de uma série de outros que compõem a “Semana da Adoção” – apresentar as crianças e adolescentes a famílias para a concretização da adoção. A ideia da ação visa promover a convivência social e mostrar a diversidade da construção familiar por meio da adoção com a participação das famílias adotivas;

– Nenhuma criança ou adolescente foi obrigado a participar do evento e todos eles expressaram aos organizadores alegria com a possibilidade de participarem de um momento como esse. A ação deu a eles a oportunidade de, em um mundo que os trata como se invisíveis fossem, poderem integrar uma convivência social, diretriz do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Esse evento, inclusive, ocorre pela segunda vez;

– Crianças e adolescentes que desfilaram o fizeram na companhia de seus ‘padrinhos’ ou com seus pais adotivos. A realização do evento ocorreu sob absoluta autorização judicial conferida pelas varas da Infância e Juventude de Cuiabá e Várzea Grande, bem como o apoio do Poder Judiciário.

– A OAB-MT e a Ampara repudiam qualquer tipo de distorção do evento associando-o a períodos sombrios de nossa história e reitera que em nenhum momento houve a exposição de crianças e adolescentes;

– Vale destacar que o desfile foi apenas uma das ações da ‘Semana da Adoção. Ao longo dos dias do evento foram realizados também palestras, seminários e recreação para as crianças;

– A falta de interessados na chamada ‘adoção tardia’ faz com que seja urgente a adoção de medidas como a Semana da Adoção, que tornam público esse problema social. Conforme o Relatório de Dados Estatísticos do Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 8,7 mil crianças e adolescentes aguardam por uma família.

– Na edição anterior do evento, realizado em 2016, dois adolescentes, cujo perfil está fora dos parâmetros de preferência da fila de interessados, foram adotados graças ao trabalho realizado, que deu visibilidade à questão. A iniciativa tem sido tão exitosa na forma como aborda o problema que outros Estados realizaram eventos semelhantes, como ‘Esperando por você’ (ES), ‘Adote um Pequeno Torcedor’ (PE) e ‘Adote um Pequeno Campeão’ (MG);

– Por fim, a Ampara e a OAB-MT, realizadoras do evento, agradecem a disposição de todos os demais órgãos e entidades apoiadores, dentre eles o Tribunal de Justiça de Mato Grosso e o Pantanal Shopping, por entenderem a grandeza de sua finalidade e abraçarem, de forma voluntária, a causa da adoção no Estado. Também conclamam a sociedade em geral para uma discussão séria e efetiva sobre o tema para que mais estratégias possam ser adotadas em prol do direito de possibilitar o acolhimento familiar a essas crianças e esses adolescentes.”

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