Nilmário Miranda, secretário de |
Brasília – Os abrigos brasileiros de crianças e adolescentes têm ferido uma das principais orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente: meninos e meninas levados para esses lugares acabam isolados e sem contato com suas famílias. Se por um lado os abrigos deveriam servir apenas como casa de passagem, por um curto período, na prática eles têm funcionado como verdadeiros depósitos de crianças e adolescentes. Essa é uma das principais conclusões do Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De acordo com a pesquisa, 52,6% das 19.373 crianças encontradas em abrigos no período da checagem estavam ali há mais de dois anos, 32,9% estavam entre dois e cinco anos e 6,4%, por mais de dez anos. O principal motivo que leva essas crianças e adolescentes ao abrigo, revela o estudo, é a pobreza. Isso mostra outra divergência da realidade em relação ao que apregoa o estatuto.
?A carência, por si só, não justifica a entrada de uma criança num abrigo. Muitas vezes a criança vai para lá porque não tem comida em casa?, observa Enid Rocha, coordenadora da pesquisa.
?É um problema grave. As pessoas responsáveis por esses abrigos são bem-intencionadas, acham que estão fazendo o bem, mas muitas vezes estão fazendo errado. Dão abrigo, mas estão tirando a criança da convivência familiar?, disse o secretário especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.
Nilmário anunciou a intenção de organizar um mutirão nacional para monitorar a situação de todos os abrigos do País, com participação de prefeituras, governos estaduais, Ministério Público e Poder Judiciário. Segundo a pesquisa, mais da metade das crianças está vivendo em abrigos sem conhecimento das varas de infância e adolescência.
O Ipea pesquisou 589 abrigos em todo o País. A grande maioria dos abrigados (58,5%) é formada por meninos, 63% são negros e 61,3% têm entre 7 e 15 anos. O levantamento teve como alvo as instituições que recebem verba federal para funcionar.
Bolsa-Família
Nem mesmo programas direcionados a combater a pobreza, como o Bolsa-Família, principal ação do governo federal, levam em conta se a mãe deixou os filhos em um abrigo e poderia retomá-los caso recebesse o benefício. O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) prevê uma série de medidas de apoio para limitar a estada de crianças em abrigos. Uma delas é que cada instituição deve informar à Justiça a chegada de novas crianças em no máximo dois dias. A intenção é que a Justiça aja para determinar se esse menino ou menina precisa realmente ficar no abrigo ou se outras formas podem ser encontradas. No entanto, no momento da pesquisa, 54% dos meninos e meninas estavam nos abrigos sem conhecimento do Judiciário. Além de dificultar a volta das crianças para casa, o sistema ainda prejudica a adoção. Das quase 20 mil crianças encontradas nos abrigos pesquisados, apenas 10,7% estavam em condições de adoção. Atualmente, o processo para que uma mãe ou pai perca o pátrio poder – o direito sobre a criança – leva em média cinco anos, mesmo em casos de problemas sérios como abuso e violência doméstica. E só depois disso que meninos e meninas podem ser colocados em adoção. Cinco anos para uma criança é muito tempo. A maioria dos abrigados encontrados pela pesquisa já está acima da idade mais fácil de adoção. Mais de 40% têm entre 10 e 15 anos, quando a maior parte das famílias ainda prefere bebês ou crianças pequenas. Cerca de 63% são negros e 58,5% são meninos. ?Muitas dessas crianças estão fora do perfil de adoção. As pessoas querem meninas, pequenas e branquinhas?, disse o ministro Nilmário Miranda.
Governo quer melhorar sistema
Brasília – O governo federal não tem a real dimensão dos problemas nos abrigos para crianças e adolescentes no Brasil, mesmo depois da pesquisa preparada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). No entanto, a estimativa feita pelo próprio governo é de que cerca de 80 mil crianças vivam abrigadas hoje no País. ?Acreditamos que os problemas encontrados serão os mesmos. Precisamos fazer um grande mutirão envolvendo todas as instituições, esferas de governo e a sociedade civil para chegarmos a essas instituições e melhorarmos o sistema?, disse o ministro Nilmário Miranda, se referindo a eventuais pesquisas que possam ser realizadas nos abrigos que não recebem dinheiro do governo.
O governo federal pretende incentivar a criação dos conselhos tutelares – que fiscaliza a situação das crianças – e dos conselhos municipais de direitos da criança em todos os municípios até o final de 2006. Hoje, cerca de 2 mil municípios apenas têm os conselhos.
O ministro Nilmário Miranda classificou a situação descrita na pesquisa de ?chocante?, mas fez questão de ressaltar que não considera a situação retratada na pesquisa como um problema das instituições. ?Essas pessoas são do bem, querem ajudar, mas às vezes o estão fazendo de forma errada?, disse. A pesquisa comprova que falta conhecimento. A metade dos dirigentes das instituições revela que tem conhecimento apenas mediano do que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Hoje, o governo federal repassa R$ 35 por criança por mês a 640 abrigos que recebem financiamento. Os recursos saem do Ministério do Desenvolvimento Social. Ontem, depois do lançamento da pesquisa, o secretário Nacional de Assistência Social do Ministério, Osvaldo Russo, disse que irá divulgar amanhã um plano nacional para orientar os abrigos. ?Vamos reordenar os repasses para controlar a qualidade no atendimento na ponta e não apenas a aplicação do recurso?, afirmou.