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A fronteira que quase não existia na prática

Alvo de pedidos de fechamento na Justiça, a fronteira com a Venezuela é, na prática, uma rodovia de duas faixas, por onde não só refugiados atravessam todos os dias. De Pacaraima, em Roraima, para Santa Elena de Uairén, no país vizinho, o trânsito de carros e de pedestres é livre na BR-174 e os moradores das duas cidades costumam cruzar o limite para fazer compras ou buscar atendimento médico. O grupo inclui até crianças venezuelanas matriculadas em escolas públicas do Brasil.

Ontem, o jornal “O Estado de S. Paulo” cruzou a fronteira entre os municípios e foi parado três vezes. Na aduaneira de Santa Elena, guardas pediram para abrir o porta-malas do carro. Eles repetiram o procedimento na volta. No retorno ao Brasil, agentes da Polícia Rodoviária Federal fizeram a mesma inspeção e também revistaram as mochilas no veículo. Em nenhuma ocasião, os agentes pediram documentos.

Em uma região de serra, com muitas áreas de demarcação indígena e forte atividade de garimpo de diamantes, Santa Elena se parece muito com Pacaraima, não fossem os comércios que fecharam as portas com a crise. Lá, moram centenas de brasileiros. “Aqui todo mundo me trata como um venezuelano”, conta Raimundo França, de 70 anos, natural de Pinheiro, no Maranhão. Ele vive no país vizinho desde de 1978.

Criado em roça de coco, França foi para Roraima na década de 1970, trabalhar como pedreiro. Ao cruzar a fronteira, juntou dinheiro com garimpo irregular, construiu a própria casa e outros oito imóveis. Lá, casou com uma venezuelana e teve quatro filhos. Hoje, em situação regular, vive da renda dos aluguéis. “A fome não me apertou. Vivo feito sapo: se a cobra atacar, pulo a lagoa.” Ou seja, volta para o Brasil. “A fronteira não pode fechar porque tanto brasileiros quanto venezuelanos convivem e se entendem bem. Tem pilantras, sim, mas mais de 90% são pessoas decentes que estão pagando por todos.”

A dona de casa Dilia Salena, de 50 anos, casada com o brasileiro, vai todas as semanas a Pacaraima comprar arroz, feijão, fubá e produtos de limpeza. “Foi uma tristeza muito grande o que aconteceu”, comenta. Nascida na Venezuela, a caçula Adriana França, de 16, faz planos de prestar vestibular no Brasil. “Aqui, a gente tem muita falta de professor”, diz.

Filha de brasileira, a comerciante Karen Teixeira, de 22 anos, mantém na cidade uma venda de frutas e legumes. Banana, mamão, cebola são plantados e colhidos na região. Já sal, açúcar, feijão, arroz e artigos de limpeza são comprados no Brasil para revenda. “Muita gente mora aqui e trabalha lá ou mora lá e tem comércio aqui”, afirma.

Na frente do comércio, também passam dois ônibus da prefeitura de Pacaraima, às 5 horas e ao meio-dia, para levar crianças venezuelanas ao colégio no Brasil. Só na Escola Municipal Casemiro de Abreu, 211 dos 681 alunos matriculados são de Santa Elena. ‘Se fechar a fronteira, como essas crianças vão à escola?”, indaga o vice-prefeito de Pacaraima, Rodolfo Fernandes do Nascimento (sem partido). Segundo ele, há alunos de Santa Elena matriculados desde a creche à Educação de Jovens e Adultos. “A minha filha também estuda espanhol lá. Sempre tivemos uma convivência harmoniosa, todos têm amigos e familiares em Santa Elena.”

Queixa

Karen afirma compreender os motivos da revolta em Roraima. “São cidades-irmãs, as comunidades se conhecem. Depois do ocorrido, muitos estão apáticos e reclamam de brasileiros também, mas não é assim”, diz. “Para lá, foram venezuelanos de outras regiões, que nem nós queremos aqui.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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