A 200 quilômetros da Cracolândia paulistana, na pacata cidade de Itapira, no interior paulista, cerca de 220 vítimas do crack dividem os mesmos espaços 24 horas por dia, durante meses. Ao contrário do que ocorre nas ruas do centro da capital, a convivência entre os dependentes não se dá para o consumo da droga, mas, sim, para uma tentativa de recuperação.

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É naquele município que funciona uma das maiores clínicas de reabilitação conveniadas com a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo: o Instituto Bairral de Psiquiatria. Das 315 vagas reservadas no complexo para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) com qualquer tipo de dependência química, 70% já são ocupadas por usuários de crack, a maioria vinda da Cracolândia.

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O jornal O Estado de S.Paulo viajou até Itapira para conhecer como funciona o tratamento dos dependentes. Os leitos SUS do instituto são divididos em dois tipos de serviço: uma clínica tradicional, mais voltada à desintoxicação e à recuperação, e uma comunidade terapêutica, unidade de internação mais longa que aposta em uma abordagem psicossocial e na reinserção social.

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“São 215 leitos na unidade central e 100 na comunidade terapêutica Santa Carlota. Na clínica, recebemos todos os tipos de internação. Na comunidade, só as voluntárias”, diz Nivaldo José Caliman, diretor superintendente do Instituto Bairral.

Em comum, ambas as unidades contam com consultas com psiquiatra, terapia individual e em grupo, atividades esportivas, culturais e espirituais e palestras sobre temas como prevenção de recaídas. Na clínica tradicional, o tempo médio de internação é de 60 dias. Na comunidade, o tratamento costuma durar seis meses.

Contracultura. “A Cracolândia representa uma cultura de vida para eles, com rotinas, hierarquias e até termos próprios. O que tentamos fazer é criar uma contracultura para combater isso, para mostrar as possibilidades sem a droga. Alguns pacientes chegam resistentes ou ariscos, mas porque nunca se sentiram respeitados como humanos. Aqui a gente respeita a individualidade de cada um”, diz Mauricio Landre, coordenador da comunidade terapêutica.

Na unidade, em uma fazenda na zona rural, os pacientes vivem em pequenas casas, batizadas com nomes de personalidades que lutaram pela dignidade humana, como Martin Luther King Jr., Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá.

A estratégia terapêutica alia atividades de acolhimento com empoderamento dos dependentes. Logo no início da internação, cada um planta uma árvore com seu nome e passa a ter a responsabilidade de cuidar dela. Também ganham um padrinho lá dentro – um usuário internado há mais tempo responsável por apoiá-lo.

Após as primeiras semanas, os pacientes vão recebendo mais responsabilidades, como ajudar na cozinha, realizar tarefas da fazenda e começar a pensar nas opções que seguirão ao ter alta. São autorizados a sair da clínica para procurar emprego, fazer cursos, visitar familiares e até comer pizza na cidade.

A espiritualidade é uma arma importante no tratamento, mas tem caráter ecumênico. Nas paredes da capela da comunidade há símbolos das 24 principais religiões do mundo. Ao centro do que seria o altar, o quadro é branco, para respeitar a crença daqueles que não seguem nenhuma religião.

A maioria dos pacientes da comunidade já esteve em outras internações tradicionais – mais curtas e para desintoxicação – e buscam a Santa Carlota como uma tentativa de nova abordagem, caso do engraxate Donivaldo de Souza Tavares, de 41 anos. “Tive uma internação de dois meses em 2013, mas após duas semanas voltei a usar droga”, conta. Há oito meses, depois de ficar um ano vivendo nas ruas da Cracolândia, buscou a nova internação na comunidade, de onde deve ter alta em breve. Entre os internos locais, 54% completam o tratamento – o dobro do porcentual registrado em outras comunidades do Estado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.