Sete em cada dez homicídios registrados no País anualmente aconteceram em cidades que não receberão qualquer reforço do Plano Nacional de Segurança, iniciativa do Ministério da Justiça para tentar diminuir o número de assassinatos. A ajuda federal deverá priorizar as ocorrências nas 27 capitais, que somam cerca de 30% dos casos totais. Algumas delas, no entanto, nem sequer estão entre as cem com maior número de casos, como Boa Vista, Florianópolis e Palmas.
Neste mês, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, divulgou as primeiras informações sobre a elaboração do plano, que deve ser lançado oficialmente no início de dezembro. Ele antecipou que Natal, Porto Alegre e Aracaju devem receber as primeiras equipes da Força Nacional de Segurança; essa é a tropa que deverá encabeçar as atividades de prevenção e de investigação de homicídios com núcleos nas cidades.
O primeiro anúncio contempla áreas que viram a criminalidade crescer nos últimos anos e essa foi a justificativa para priorizá-las. Até março, as equipes devem chegar às outras 24 capitais, incluindo Porto Velho, que teve 197 casos de assassinatos em 2014, Campo Grande (193), Macapá (173) e Vitória (172).
Na outra ponta, o plano não menciona reforço para cidades como Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São Gonçalo, no Rio, Ananindeua, no Pará, Feira de Santana, na Bahia, e Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. Todas essas cidades têm um número absoluto maior de assassinatos do que ao menos oito capitais. Se levada em consideração a taxa de mortes por arma de fogo por 100 mil habitantes em 2014, as únicas capitais a figurarem entre as 30 mais violentas são Fortaleza (75,3) e Maceió (77,2).
A decisão de priorizar apenas as 27 capitais foi tomada durante a gestão de Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça. No Pacto Nacional Pela Redução de Homicídios, plano similar que estava sendo desenvolvido pelo ex-ministro José Eduardo Cardozo, a ideia era abranger 81 municípios, que concentram 50% dos casos no País.
Migração.
Responsável pela elaboração do Mapa da Violência, o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz fez ponderações à decisão de começar pelas capitais. Segundo ele, nos últimos dez anos, a criminalidade tem migrado das regiões metropolitanas para novos polos de desenvolvimento econômico, onde tem encontrado menor resistência das forças de segurança.
“Há um processo de vascularização, e a violência chegou a polos até então ‘virgens’, como Ananindeua, no Pará, e Arapiraca, em Alagoas. Isso, em tese, demandaria uma política simultânea para evitar que o reforço das capitais só sirva para intensificar ainda mais o problema.”
Com a mudança na última década, sustentou Waiselfisz, pequenas cidades se viram na obrigação de modernizar seus aparelhos de segurança. “Nesses locais, a segurança correspondia a outra época, à época onde malandro tinha nome, sobrenome e endereço certo. Agora, tem de lidar com grandes organizações criminosas, e as polícias desses novos locais não estão preparadas”, afirmou.
O pesquisador, apesar disso, elogia a iniciativa diante do cenário de violência e a necessidade de articulação nacional para combatê-lo, mas tem dúvidas sobre a capacidade de financiamento. “O problema é se haverá recursos para se implementar e tornar viável essa política.”
O professor da Universidade do Estado do Rio (UERJ) Ignacio Cano pede ações, além de investigação policial dos crimes. Ele fala em controlar a circulação de armas de fogo, de programas de prevenção para a juventude que habita regiões periféricas das cidades e o fortalecimento de programas de proteção a pessoas ameaçadas.
“Está claro que a escolha pelo endurecimento de pena não funciona porque tentamos isso a vida toda e estamos nesse ponto. É uma ilusão que a gente continua mantendo”, disse.
O ministério não respondeu a perguntas sobre critérios para a escolha das cidades. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.