Nossos parentes mais próximos na natureza, os primatas não humanos estão seriamente ameaçados, em todo o mundo, de entrarem em extinção. Uma revisão da literatura científica conduzida por 31 primatólogos alerta que se o ritmo atual de pressões humanas sobre esses animais for mantida, poderemos testemunhar uma extinção em massa de primatas nos próximos 25 a 50 anos.

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Combinando dados da Lista Vermelha da IUCN com outras pesquisas e bases de dados, os pesquisadores, liderados por Alejandro Estrada, da Universidade do México, estimam que das cerca de 500 espécies de primatas não humanos que existem no mundo, 60% estão ameaçadas de extinção e que 75% delas têm sofrido redução de populações.

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O estudo, publicado nesta quarta-feira, 18, na revista Science Advances, mapeia a diversidade de primatas por país e também como estão distribuídos os riscos. Brasil, Madagascar, Indonésia e República Democrática do Congo são os líderes em riqueza de espécies. Mas a maior quantidade de espécies ameaçadas se concentra em Madagascar, China e sudeste asiático.

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A principal ameaça global é a expansão da agricultura, seguida pela exploração madeireira ilegal e legal, e pecuária. A caça também é uma ameaça diretas às espécies, além de problemas emergentes, como poluição e mudanças climáticas.

Como medidas para a proteção das espécies, os pesquisadores sugerem que se melhore também as condições humanas, visto que muitas áreas de ocorrência de primatas se sobrepõem às de populações humanas empobrecidas e em rápido crescimento. Os conflitos humanos e a pobreza acabam afetando também os animais, apontam.

Na entrevista a seguir, o primatólogo Russell Mittermeier, da ONG Conservação Internacional, que atuou durante vários anos no Brasil, explica o levantamento.

Há muitos anos já se sabe que os primatas enfrentam riscos de extinção, principalmente por causa da caça. A novidade deste trabalho é que só agora sabemos o tamanho desse risco?

Sim, de fato já conhecemos o risco sobre os primatas há muito tempo. As ameaças são principalmente a destruição de habitats, especialmente das florestas tropicais, porque 90% dos primatas são animais de floresta tropical. Além disso, há uma pesada pressão de caça em muitas áreas, algumas vezes mesmo em parques e reservas. A escala de ameaça cresceu em todo o mundo desde que eu comecei a trabalhar com primatas, há 46 anos. Isso posto, estamos muito satisfeitos que nosso trabalho tenha impedido extinções até agora. Na verdade, os primatas são o único grupo maior de mamíferos que não sofreram quaisquer extinções no século 20.

Isso é uma boa notícia, mas os dados do trabalho apontam que 60% das espécies estão em ameaça. O sr. diria que os esforços conservacionistas até o momento foram capazes de gerenciar as ameaças? Mas e para o futuro? As ameaças estão ficando piores e seriam necessárias outras estratégias de conservação?

Definitivamente me sinto satisfeito com o que alcançamos. Com certeza teríamos perdido muitas espécies se não tivéssemos sido ativos, entre elas os micos-leões, que estavam à beira da extinção no início dos anos 70. Mas, sim, as ameaças estão ficando piores e precisamos de mais recursos e mais pessoas trabalhando com a conservação de primatas. Sabemos o que precisa ser feito. Só precisamos de mais gente e mais recursos para fazer esse trabalho.

Grandes primatas, como chimpanzés, bonobos e gorilas têm o apelo de serem nossos primos mais próximos na natureza, mas isso não parece ter funcionado como uma mensagem mensagem forte o bastante para protegê-los. O que é preciso fazer para proteger essas espécies?

Os grandes macacos são nossos parentes vivos mais próximos, e eles realmente receberam a maior atenção entre todos os primatas. No entanto, todos eles vivem em áreas que foram fortemente afetadas por atividades humanas, principalmente a extração de óleo de palma na Indonésia e em Bornéu, onde vivem os orangotangos. E exploração madeireira, mineração e muitas outras ameaças afetam os países africanos onde os gorilas, chimpanzés e bonobos ocorrem. A caça pela carne também é uma enorme ameaça, especialmente na África Central e Ocidental. Há alguns programas fortes sendo desenvolvidos, por exemplo, para o gorila de montanha em Virunga (cadeia de vulcões ao longo da fronteira entre Ruanda, República Democrática do Congo – RDC e Uganda), mas outras espécies estão no risco sério, como o gorila de Grauer, no leste da RDC, que foi identificado como um dos 25 primatas mais ameaçados de extinção no período de 2016 a 2018.

O Brasil é listado como um dos quatro países onde se concentra a maioria das espécies de primatas no mundo. Como o sr. classificaria a situação dos primatas hoje no País? Quais são as principais ameaças que temos a esses animais?

O Brasil é o país mais rico no planeta em primatas e tem uma comunidade de conservação de primatas forte, a mais forte de qualquer país que abriga esses animais. Várias espécies estão ameaçadas – das 150 espécies e subespécies de primatas no Brasil, 35 foram listadas como ameaçadas em portaria do Ministério do Meio Ambiente de dezembro de 2015. Mas na maior parte são ameaças são menores que as que ocorrem na África, em Madagascar e na Ásia. Como de costume, a destruição do habitat e a caça são as principais causas de declínio das populações.

Hoje quais são as nossas espécies de primatas mais ameaçadas?

Nessa lista, nove espécies (ou 6% do total) foram classificadas como criticamente em perigo de extinção. O bugio-marrom (Alouatta guariba guariba), o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), o macaco-prego-de-peito amarelo (Sapajus xanthosternos), o macaco-prego-galego (Sapajus flavius) e o muruqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), da Mata Atlântica; o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), o caiarara (Cebus kaapori) e o cuxiiú-preto (Chiropotes santanas), da Amazônia; e o guigó-da-caatinga (Callicebus barbarabrownae), da Caatinga.

E no mundo?

A fauna de primatas mais ameaçada do mundo é a de lêmures de Madagascar, onde estou agora). São cinco famílias, 15 gêneros e 111 espécies e subespécies, todas endêmicas: 94% dos lêmures estão ameaçados, e 90% do habitat deles já se foi.

No passado recente, algumas campanhas de conservação no Brasil foram muito bem-sucedidas, como as do mico-leão dourado e a do mico-leão preto. É esse tipo que ação que funciona: fazer uma campanha específica com uma espécie-bandeira? Ou é preciso pensar de modo mais sistêmico?

As campanhas para os micos-leões e os muriquis estão entre os melhores e mais bem sucedidos exemplos de tais campanhas no mundo. Eu estive envolvido com eles e tenho seguido de perto a situação de ambos desde 1971, e eu acho que ambos são modelos para programas de conservação. Precisamos de ações direcionadas semelhantes para muitas outras espécies de primatas no Brasil e no mundo.