Brasília, 26/06/2018 – A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, trancar uma ação penal contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Fernando Capez (PSBD), acusado por envolvimento na Máfia da Merenda.
Os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator do caso, Gilmar Mendes, para quem a ação penal foi aberta sem justa causa, sem provas e depoimentos de testemunhas que validassem o processo, descartando momentos em que os depoentes estivessem sob “coação”. Dessa forma, Mendes atendeu integralmente o pedido da defesa do parlamentar, que alegou “estresse psicológico e fortes enxaquecas” do deputado, causadas pelo que chamou de “injusta acusação”.
Ficou vencido no colegiado o ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin. O decano Celso de Mello não estava presente na sessão.
Em maio deste ano, por 12 votos a 9, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tornou Capez réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O parlamentar começou a ser investigado na Operação Alba Branca – deflagrada em janeiro de 2016 contra organização criminosa que se instalou em pelo menos 30 prefeituras paulistas e na Secretaria do Estado da Educação para fornecimento de sucos e merendas escolares.
A propina no caso em que o deputado é investigado teria sido destinada a Capez, a lobistas e a um representante comercial da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (COAF), sediada no município de Bebedouro (SP), e apontada como o carro-chefe das fraudes.
A denúncia afirma que os valores a Capez, as comissões repassadas a lobistas da Máfia da Merenda e ao representante comercial da COAF “alcançaram ao menos o patamar de 10% do valor dos contratos administrativos – R$ 11.399.285,00 – celebrados entre a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e a Cooperativa”.
Delator
Entre as provas que foram contestadas pela defesa de Capez está uma ligação do deputado para a Secretaria Estadual da Educação, depoimentos de testemunhas que foram submetidas a suposta coação da Promotoria e da Polícia Civil, em suposto abuso que também teria atingido o delator do caso, o lobista da Máfia da Merenda Marcel Júlio.
Em conteúdo de delação revelado em abril de 2016, Marcel relatou à Procuradoria-Geral de Justiça encontros com Capez, afirmando que o tucano exigiu dinheiro porque sua campanha eleitoral estava “sofrendo”. Marcel também contou que ele e o pai, Leonel Julio, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (pelo antigo MDB, em 1976), auxiliaram Capez na campanha de 2010.
Marcel Júlio disse também que, em 2014, esteve três vezes seguidas no escritório do político. A primeira apenas com o assessor do tucano, Luiz Carlos Gutierrez, o Licá, para quem teria entregado documentos. Depois duas vezes com Capez.
O lobista também contou que o empresário Cássio Chebabi, ex-presidente da COAF, e César Bertholino procuraram seu pai, após encontrarem dificuldades no chamamento público da cooperativa.
Por outro lado, a defesa do deputado afirma que Marcel teria dito que Capez “nunca lhe solicitou vantagem indevida, e que não tinha intimidade com o mesmo”. Além disso, o advogado de Capez, Alberto Zacharias Toron, defendeu que, mesmo que a delação de Marcel fosse considera verdadeira, seria irrelevante, por não ter sido comprovada por outros elementos de prova.
“É incontroverso que a vinculação do Paciente aos fatos descritos na denúncia resulta exclusivamente, a um, de prova confessadamente obtida por meio ilícito, mediante coação e indução de testemunhas”, alegou a defesa do parlamentar.
Gilmar Mendes, ao votar, destacou que a Segunda Turma tem “entendido que as palavras de delator não podem ser usadas unicamente para recebimento de denúncia”, assim como não podem ser utilizadas para condenar alguém. O exemplo mais recente é o caso da senadora e presidente do PT Gleisi Hoffmann (PR), absolvida pelo colegiado na semana passada.
O ministro também destacou os votos vencidos no Tribunal de Justiça de São Paulo, daqueles que se posicionaram para não aceitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público. A posição do relator do caso em SP, desembargador Sérgio Rui, foi lida por Gilmar Mendes. Na ocasião, o magistrado alegou não ter encontrado “elemento mínimo” para abertura de ação penal contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa.
Abuso
Ainda segundo os defensores de Capez, há uma gravação de áudio feita por um advogado, onde o promotor que atuou no caso “explicitamente ameaçou a testemunha caso não mencionasse o nome do paciente: ‘esse aí realmente precisa de um reforço na memória num local mais adequado'”.
“É um caso de abuso de autoridade de investigação direcionada a perseguir alguém, coagindo pessoas a deporem contra determinada pessoa. Se isso não é possível num estado de exceção, muito menos pode ser admitido num estado democrático de direito”, afirmou o ministro Dias Toffoli.
Vencido, Fachin disse que a Segunda Turma, ao conceder o pedido de Capez, estaria antecipando o julgamento da ação penal contra o deputado. “Não verifico, considerando que a instância própria fez juízo de indícios mínimos de materialidade de autoria, como apta a dimensão jurídica que leve a concessão de ordem”, observou o ministro.