A Anvisa confirmou, em reunião neste domingo (17), o cálculo de eficácia da Coronavac de 50,38% do Instituto Butantan, que vinha sendo questionado.
Cálculos alternativos ao empregado no estudo do instituto mencionaram taxa de 49,6%. Esses cálculos, entretanto, estão em desacordo com o que estabelece o protocolo da pesquisa no Brasil, publicado ainda no início dos testes.
Reproduzir o cálculo feito no estudo sem os dados de todos os participantes em mãos, treinamento em estatística e um programa de computador adequado é impossível, de acordo com Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa do instituto e responsável pelo ensaio clínico.
Na reunião da Anvisa, Leonardo Fábio Filho, estatístico da agência, confirmou os cálculos realizados no estudo do Butantan. Segundo ele, a equipe da Anvisa contou com os dados completos para refazer a conta.
“Muita gente está debatendo essa questão decimal, ou se a vacina tem 49% ou 50%, isso não tem efeito prático nenhum. É apenas um critério para dizer que a vacina foi eficaz ou não. Sinceramente, na prática, 50,39% ou 50,40% não tem diferença”, disse Filho.
Não existe apenas uma maneira de calcular a eficácia de um imunizante ou medicamento. Os pesquisadores escolhem um método dentre os aceitos pela comunidade científica que seja mais adequado para o que eles querem medir. A eficácia de uma vacina também não é um número absoluto, é uma estimativa que está dentro de uma margem de erro.
Via de regra, um protocolo com todos os passos da pesquisa é criado antes do início dos testes. Durante a pandemia, convencionou-se publicar o documento com os testes ainda em andamento, prática incomum antes. No protocolo do estudo realizado pelo Butantan, o Profiscov, publicado em agosto de 2020 e disponível para que qualquer pessoa possa consultar, os procedimentos da pesquisa já estavam definidos. Entre eles, qual seria o método usado para calcular a eficácia da Coronavac.
O documento diz que a eficácia geral seria calculada com a razão de risco (ou hazard ratio) que considera o tempo que o voluntário levou para se infectar a partir de duas semanas após a aplicação da segunda dose da vacina -dados ainda não divulgados pelo instituto e que podem nunca vir a público, uma vez que a prática de disponibilizar planilhas completas para estudos desse porte não é tão comum no meio científico.
“Usamos esse método, mais complexo, porque ele também considera o tempo que o voluntário ficou exposto ao vírus a partir de duas semanas após a segunda dose da vacina até ser infectado. É uma aproximação muito mais precisa da realidade”, afirma Palacios.
O uso da razão de risco para calcular a eficácia de vacinas ou medicamentos é muito comum quando se deseja observar com maiores detalhes os efeitos dessas substâncias por um período mais longo. Mas para chegar a esse valor e usá-lo na equação descrita no protocolo do estudo (1 – razão de risco = eficácia), deve-se antes fazer uma análise estatística complexa, chamada regressão de riscos proporcionais de Cox, que depende dos dados completos do estudo e de um programa de computador adequado.
O método serve para verificar como o risco de se infectar com o vírus se comporta para cada grupo (vacina ou placebo). Segundo Filho, do Butantan, o uso do método permite observar que a partir do vigésimo dia após a segunda dose da imunização o risco de pegar a doença aumenta muito para o grupo que recebeu o placebo em relação ao grupo vacinado.
No anúncio dos resultados, o instituto divulgou uma estimativa arredondada da incidência da doença por tempo (em centenas de pessoas por ano): 11,74 para o grupo vacinado e 23,64 no grupo que recebeu o placebo (substância sem efeito). Esses números resultam da regressão de Cox.
Assim, uma conta poderia ser feita com a equação 1- (11,74/23,64), que chegaria ao valor de 50,34%, muito próximo da eficácia apresentada de 50,38%.
De acordo com Palacios, estimativas feitas com os dados apresentados, usando métodos diferentes, têm equivalência estatística e estão dentro da margem de erro do estudo (35,26% a 61,98%).
Outra preocupação está relacionada à forma como a Anvisa vai olhar para esses dados na hora de decidir se aprova ou não o imunizante para ser usado na população. Ainda não está claro se a agência vai usar um cálculo diferente do feito no estudo, mas, para os especialistas, a diferença pequena de resultados alcançados com outros métodos ainda permite dizer que o imunizante tem eficácia geral de cerca de 50%.
Segundo Palacios, tão importante quanto a estimativa da eficácia é a margem de erro, que define melhor o resultado. Para o estudo com a Coronavac, a eficácia ficou entre 35,26% e 61,98% em um intervalo de confiança de 95%, de acordo com o que foi apresentado pelo Butantan. “Isso quer dizer que se repetirmos o mesmo estudo em condições idênticas 20 vezes, em 19 delas o resultado estaria dentro dessa margem”, afirma o pesquisador.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) e a EMA (Agência Europeia de Medicamentos) exigem que, além dos 50% de eficácia estimada, o limite inferior da margem de erro não fique abaixo de 30%.
“A eficácia de uma vacina não é um número fixo. Ela depende da população na qual a vacina é testada. Em pessoas de maior risco para a infecção, a eficácia tende a ser menor do que quando o imunizante é testado em uma população de baixo risco”, diz o pesquisador. O estudo do Butantan testou a Coronavac somente em profissionais de saúde que trabalham com pacientes da Covid-19, os trabalhadores mais expostos ao vírus.
Palacios lembra ainda que a conta da eficácia não foi feita pelo Butantan. Como o estudo é duplo-cego, ou seja, pesquisadores e voluntários não sabem quem está em qual grupo (vacina e placebo), o instituto contou com um grupo especializado estrangeiro e independente para fazer a análise dos dados. O Butantan recebeu esses números já calculados.
Segundo Marcio Watanabe, estatístico e professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), a outra operação que muitas pessoas têm feito e chega ao resultado próximo de 49,6% não está errada, e é estatísticamente semelhante aos 50,38% publicizados pelo Butantan para estudos que incluem muitos voluntários, como foi o caso da pesquisa com a Coronavac. “São contas para obter a eficácia com definições equivalentes desse mesmo conceito”, afirma.
O cálculo simples que leva ao valor pouco abaixo de 50% é chamado de eficácia relativa, segundo Watanabe. Nele, são comparados somente os números de infectados nos grupos do estudo que receberam o placebo e a vacina.
No caso do estudo da Coronavac no Brasil, dos 9.242 voluntários que tiveram os dados analisados, 4.653 tomaram a vacina e 4.599 receberam um placebo. De todos os participantes, 252 tiveram a Covid-19 confirmada por exame laboratorial (RT-PCR) -167 tinham recebido placebo (aproximadamente 3,6% do total de participantes desse grupo) e 85, a Coronavac (perto de 1,8% do grupo vacinado).
Fazendo as contas com mais casas decimais, esse número tende a ficar abaixo dos 50%, mas é muito claro que no grupo dos que receberam a Coronavac houve aproximadamente metade de casos de Covid-19 do grupo que ganhou o placebo.
“O fato de essa conta chegar muito perto do resultado divulgado pelo Butantan já é muito bom, embora não seja a mesma conta feita no estudo”, afirma Daniel Tausk, matemático e professor no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP).
“Para todos os resultados divulgados de outras vacinas podemos calcular a eficácia usando métodos diferentes e vamos chegar a valores muito próximos, mas não exatamente iguais”, diz Watanabe.
O mesmo que acontece com os resultados da Coronavac aconteceu com os números da vacina da empresa de biotecnologia americana Moderna, que usa um método semelhante para calcular a eficácia, de acordo com Watanabe. Mas, segundo o estatístico, não houve polêmica porque o valor divulgado pela empresa (94,1%) era muito acima do mínimo estabelecido pela OMS de 50%.