O dia 19 de agosto de 2016 marcou a vida da técnica agrícola Camila Aguillar Prezotto, de 32 anos, moradora de Avaré, interior de São Paulo. Quando ela e o marido, o engenheiro agrônomo Roberto Giraldi Peres, tentavam resgatar uma vaca caída em uma vala, na fazenda do casal, eles foram atacados por um enxame de abelhas africanizadas.

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Camila recebeu cerca de 400 ferroadas e se tornou a primeira pessoa no mundo a receber um antídoto para o veneno dessas abelhas. O soro havia sido desenvolvido pelos pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu, e eles estavam à espera de vítimas das abelhas para iniciar os testes do antídoto em seres humanos. Chegaram dois de uma vez: depois de Camila, seu marido também recebeu o soro.

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De lá para cá, outros quatro pacientes foram submetidos ao teste e os resultados parciais são satisfatórios, segundo o professor Benedito Barraviera, coordenador geral do projeto e diretor do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp. Nesta fase, ele precisa de mais pacientes para comprovar a segurança do antídoto. “Como nosso hospital é referência, os casos mais graves envolvendo abelhas são encaminhados para cá”, disse.

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Além de ter recebido uma quantidade significativa de picadas – de 60 para cima – o paciente precisa concordar em participar dos testes. “Até agora, só dois recusaram porque precisamos que o paciente fique internado um dia e eles não tinham esse tempo”, disse Barraviera.

O antídoto foi desenvolvido contra picadas de abelhas africanizadas, as mais comuns no Brasil. Relatório postado na edição de março da publicação internacional do Cevap indica que o número de acidentes e mortes causadas por essas abelhas vem crescendo no país. Em 2000, foram reportados 1.440 acidentes, com apenas três mortes. Em 2015, houve 13.597 ataques, com 39 mortes. De acordo com Barraviera, o número real de ocorrências pode ser até quatro vezes maior, já que muitos casos não são reportados.

O soro foi desenvolvido a partir do próprio veneno da abelha, coletado sem causar a morte do inseto. Um dispositivo instalado na colmeia produz uma descarga elétrica quando tocado pela abelha e faz com que ela contraia os músculos e libere uma pequena quantidade do veneno. As pesquisas se desenvolvem há mais de uma década. Os ensaios clínicos foram aprovados em abril de 2016, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o teste em humanos.

A pesquisa atual avalia a segurança do produto aplicado nos pacientes. “Temos um protocolo de atendimento com critérios rígidos de inclusão e exclusão, pelos quais os médicos participantes do projeto definem qual paciente tem a indicação de soroterapia específica e a dose necessária”, disse o pesquisador. O antídoto ainda tem de passar por uma próxima fase com um número maior de pacientes para avaliação de sua eficácia. Só depois será encaminhado à Anvisa a documentação para liberação do uso na rede de saúde.

O soro é aplicado na veia. Cerca de 10 mililitros trazem uma quantidade de anticorpos capaz de neutralizar os problemas causados pelas picadas de 100 abelhas. Quando um adulto leva mais de 500 picadas, o corpo recebe uma quantidade de veneno suficiente para causar lesões nos rins, fígado e coração, debilitando esses órgãos. “A maior parte das mortes acontece por falência dos rins”, disse Barraviera.

Camila não esquece o dia em que quase morreu. “Era uma sexta-feira bem cedo e a gente viu que faltava uma vaca no retiro de leite. Saímos atrás pelo pasto e vimos que ela estava caída, presa num tronco. Meu marido amarrou um cabo no tronco e começou a puxar com o trator. A gente não sabia que havia uma colmeia de mais de um metro no pau oco e o enxame veio todo em cima de mim.” Como o trator tinha cabine fechada, Roberto não ouviu os gritos e ela ficou à mercê das abelhas. “Quando me viu, eu já estava com a cabeça coberta. Ele me pôs no trator e, em casa, mergulhei na piscina.”

A mulher seguiu em uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência para o Pronto-Socorro de Avaré e, na segunda-feira, com a piora no estado de saúde, foi levada para o Hospital das Clínicas de Botucatu. Depois da contagem das picadas, ela recebeu seis ampolas do antídoto. “Foi como se tirassem o veneno com a mão. Na hora já comecei a sentir melhor. Os exames confirmaram a melhora e dois dias depois eu tive alta. Como o efeito do veneno é progressivo, tenho certeza que o antídoto salvou minha vida. Hoje, sete meses depois, estou ótima.” Roberto, que recebeu cerca de 60 picadas, também foi tratado e se recuperou.