Em 30 de dezembro de 2004, foi finalmente sancionada a lei 11.079 de 30 de Dezembro de 2004 (lei das PPPs) que institui normas gerais para licitação e contratação das chamadas "Parcerias Público-Privadas", no Brasil.
Tal diploma legal traz, de um lado, grandes expectativas ao Estado Brasileiro na sua inadiável missão de realizar as necessárias obras de infra-estruturas para consolidar o processo de desenvolvimento sustentável e, de outro, confere interessante alternativa de investimento para brasileiros e estrangeiros. Embora mereça, por óbvio, maiores estudos sobre seus contornos, limites, características e particularidades, tal iniciativa deve ser, desde logo, comemorada pelos significativos avanços introduzidos no seu texto; em especial, e, para o fim a que se propõe o presente trabalho, a possibilidade do uso da arbitragem como mecanismo para solução de conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato das PPPs.
Nesse momento em que as limitações orçamentárias do Poder Público são uma realidade, a Lei das PPPs ganha importância singular. Quer nos parecer que a viabilidade da modalidade operacional dos contratos das PPPs prevista no referido texto legal depende, em grande parte, da utilização da arbitragem, pois esta adquire um status de garantia às partes que, sujeito às decisões pelo Poder Judiciário, postergaria indefinidamente a solução do caso e adicionaria o risco de se ter uma decisão divorciada da realidade.
Reza o artigo 11, inciso III da citada Lei que o contrato poderá prever "o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei 9307 de 23 de Setembro de 1996(1), para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato".
Portanto, da redação do texto, tem-se que a arbitragem poderá ser pactuada nos contratos das PPPs, desde que o lugar da arbitragem seja no Brasil, em idioma local. Considerando que o Brasil já ratificou a Convenção de Nova York; considerando ainda a postura majoritariamente pró-arbitragem do Judiciário brasileiro nestes 8 anos de vigência da Lei de Arbitragem, temos que a imposição para que o local da arbitragem seja no Brasil não deverá trazer forte receio ao investidor estrangeiro. Aliás, andou bem o legislador em deixar livre às partes a escolha das regras a serem aplicáveis à arbitragem, bem como em não estabelecer a participação obrigatória de árbitros brasileiros.
A previsão da arbitragem no citado texto alinha-se com a tendência do legislador brasileiro de admitir a arbitragem para resolver disputas em contratos da Administração Pública, disto sendo exemplo, a Lei de Concessões(2), a Lei Geral de Telecomunicações(3), a Lei de Política Energética Nacional(4), a Lei dos Transportes Aquaviários e Terrestres(5) e a Lei recentemente promulgada sobre a comercialização de energia elétrica(6). Portanto, deve-se louvar a iniciativa de se inserir no texto legislativo o estímulo ao uso da arbitragem.(7)
É sabido que, para cumprir adequadamente suas finalidades, a arbitragem deve ser instaurada sem maiores delongas, tão logo qualquer das partes vislumbre a necessidade de ver sanada inadimplência da outra parte, ou mesmo alguma dúvida sobre a exata interpretação de determinada cláusula contratual. A lei brasileira de arbitragem(8) autoriza, em seu artigo 1.º, que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis."
No ensinamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, EROS ROBERTO GRAU, "é evidente que, quando se afirma que a arbitragem se presta a dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, isso não significa não possa, a Administração socorrer-se dessa via visando ao mesmo fim. Pois não há qualquer correlação entre disponibilidade ou indisponibilidade de direitos patrimoniais e disponibilidade ou indisponibilidade do interesse público. Dispor de direitos patrimoniais é transferi-los a terceiros. Disponíveis são os direitos patrimoniais que podem ser alienados. A Administração, para realização do interesse público, pratica atos, da mais variada ordem, dispondo de determinados direitos patrimoniais, ainda que não possa fazê-los em relação a outros deles. Por exemplo, não pode dispor dos direitos patrimoniais que detém sobre os bens públicos de uso comum."(9)
Nesse sentido, a posição do Superior Tribunal de Justiça(10): "pelo art. 54 da Lei 8666/93, os contratos administrativos regem-se pelas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios de direito privado, o que vem a reforçar a possibilidade de adoção do juízo arbitral para dirimir questões contratuais."
É de relevo trazer trecho de alguns votos majoritários, no famoso julgamento sobre a Constitucionalidade da Lei de Arbitragem(11) perante o STF
"As dificuldades do deslinde das novas controvérsias engendradas em face do desenvolvimento tecnológico, principalmente no campo dos transportes e das comunicações, mais do que nunca estão a exigir conhecimentos especializados aos quais os juizes, sem qualquer desdouro para eles, dificilmente poderão ter acesso…." (Min. Ilmar Galvão)
"… É inegável que, no mundo acelerado em que vivemos, ter, ou não , acesso a fórmulas rápidas de solução de pendências resultantes do fluxo comercial, constitui diferencial significativo no poder de barganha dos contratantes." (Min. Ellen Gracie)
"… A Lei n.º 9307/96, um diploma moderno, a abranger dispositivos que acautelam certos direitos das partes, viabiliza – e isso interessa muito àqueles que investem, principalmente os estrangeiros, em espaço de tempo razoável, curto – o afastamento de situações ambíguas do cenário jurídico." (Min. Marco Aurélio Mello)
Por fim, o Brasil, com a lei das PPPs, somada à a) exclusão de disposição que vedava a arbitragem nos contratos públicos na emenda constitucional que tratou da chamada "Reforma do Judiciário no Brasil", b) às demais legislações antes citadas e c) à ratificação da Convenção de Nova York, parece ter entrado em linha com tendências mundiais mais arejadas de criar o arcabouço legislativo necessário ao estímulo e atração de capitais estrangeiros. Ainda há um considerável caminho a percorrer, mas as bases parecem estar presentes.
Notas
(1)Lei Brasileira de Arbitragem
(2) Lei 8987/95 – artigo 23, inciso XV
(3) Lei 9472/97 – artigo 93, inciso XV
(4) Lei 9478/97 – artigo 43, inciso X
(5) Lei 10.233/01 – artigo 35, inciso XVI
(6) Lei 10.233/02 – art. 2º, §§ 3º a 5º e Lei 10.848/034
(7) É de se relembrar a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso Lage, pela qual "a legalidade do Juízo Arbitral que o nosso direito sempre admitiu e consagrou até mesmo nas causas contra a Fazenda" (AI 52181/GB – Guanabara, Rel. Min. Bilac Pinto.
(8) Lei 9307 de 23.09.96
(9) GRAU, Eros Roberto. Arbitragem e Contrato Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público 32/14.
(10) MS 1998002003066-9 – Rel. Min. Nancy Andrighy.
(11) AGRE 5206-7 – Reino da Espanha
Mauricio Gomm Ferreira dos Santos é presidente da Arbitac.
