O Brasil entrou no mapa do tráfico internacional de bens culturais. Essa é a constatação da Divisão de Repressão a Crimes contra Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal (PF), após o roubo dos quadros de Picasso, Matisse, Dalí e Monet do Museu da Chácara do Céu, no Rio, em 24 de fevereiro. Apesar de não querer "militarizar" os espaços, a direção dos museus faz da segurança assunto prioritário e articula ações integradas para combater o novo nicho do crime organizado no País. "Acho que o momento é de fazer uma escalada de segurança. Você já viu Jaguar conversível parado na rua?", diz o chefe da divisão, delegado Jorge Pontes.

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"Esse crime é um marco. Vamos ter que repensar o paradigma de segurança", diz o diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), José Nascimento Jr. "O padrão de atuação dos bandidos mudou. Estamos preparados para furto, mas roubo com arma pesada e granada é outra coisa."

Na semana passada, representantes do Iphan, da PF e da Polícia Criminal Internacional (Interpol) decidiram ampliar o convênio entre as instituições para frear a atuação dos bandidos Pelo plano, a PF vai dar consultoria de segurança aos museus federais – administrados pelo Iphan -, as delegacias da PF vão se integrar mais às Superintendências do Iphan e a polícia fará campanha nacional contra o tráfico de bens culturais.

No Rio, por meio de convênio com a Secretaria de Segurança Pública, as imagens colhidas pelas câmeras dos museus federais serão transmitidas também para centrais da polícia. "Estamos revisando os planos de segurança dos museus federais. Vamos ampliar o número de seguranças em 25% e comprar mais equipamentos", diz Nascimento. Segundo ele, porém, não se pode criar uma visão de fragilização das instituições porque o museu deve aproximar o público da arte.

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Segundo Pontes, o ladrão de museu "antes era o cara que surrupiava gravura, mas hoje se tornou mais ousado". A descoberta do "novo nicho", diz o delegado, decorre de vários fatores. Um é que os bancos estão cada vez mais seguros, o que obriga criminosos a procurarem novas rotas. "Houve um caso nos Estados Unidos em que seqüestraram o marchand para dizer se a obra roubada era verdadeira ou não. Mas nossos ladrões ainda não estão tão sofisticados em razão de uma premissa – não estão tendo muita dificuldade." Também há a globalização. "Esse tipo de crime é conhecido nos EUA e na Europa, onde a relação com a obra de arte é outra. Agora, chega aqui."

Nascimento também não tem dúvidas de que o roubo ao Chácara do Céu está inserido num circuito internacional. Segundo ele, a qualidade dos acervos brasileiros é mais reconhecida atualmente, porque as obras têm sido mais divulgadas. "E é importante destacar que nunca tivemos problema de segurança com acervos internacionais expostos aqui."

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O delegado diz que o receptador das obras – ou quem encomendou o roubo – terá um prazer solitário. "Colecionador é coisa meio freudiana. Às vezes começa a colecionar e passa para o lado do crime para ter alguma coisa no acervo. O segundo prazer, depois de ter, é ostentar. Esse prazer a pessoa não poderá ter." Em termos financeiros, só há desvantagem – o comprador desembolsará muito dinheiro e será quase impossível revender a obra. Segundo Pontes, o mercado interno costuma ser o destino das obras sacras e o externo, das famosas.

O problema, diz Nascimento, não se resolve só com o reforço da segurança nos museus – os roubos são parte da insegurança pública. "Qual museu do mundo está preparado para metralhadora? Pode botar detector de metal, mas que sistema é infalível? Até banco é assaltado."

Apesar dos roubos aos museus no Rio, nenhum diretor dos principais museus de São Paulo procurou a polícia para pedir reforço da segurança em seus prédios. "Nunca fomos procurados", diz o delegado Mário Jordão, titular da 1ª Delegacia Seccional, que coordena as delegacias da região central. O Comando de Policiamento da Capital (CPC), da Polícia Militar, também não tem plano nem recebeu pedidos. Segundo o CPC, a maioria dessas instituições tem segurança feita por empresas particulares.

Mas a diretora do Departamento de Museus e Arquivo da Secretaria de Cultura do Estado, Silvia Antibas, diz que os roubos no Rio fizeram os administradores dos museus paulistas acordarem. "Alguns museus daqui estão em níveis internacionais de segurança. Outros ainda têm que melhorar muito." Segundo ela, após o episódio do Chácara do Céu, a secretaria recebeu pedidos de reforço na segurança. O momento não é oportuno para decisões. Os museus estaduais estão se transformando em organizações sociais, ou seja, terão orçamento próprio e poderão escolher seu modelo de segurança e contratar a empresa que quiserem. Hoje, tudo é feito pela secretaria. (Colaborou: Marcelo Godoy)